Em 2018, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) concluiu que 32 milhões de crianças e adolescentes brasileiros são afetados de alguma forma pela pobreza. Para chegar a esse número alarmante, que corresponde a 61% dos 53 milhões que formam a nossa população com menos de 18 anos, o Fundo utilizou informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015 do IBGE e analisou a qualidade do acesso a seis direitos básicos: 1) educação, 2) informação (acesso à internet e também à TV), 3) água, 4) saneamento básico, 5) moradia e 6) proteção contra o trabalho infantil. Ou seja, considerando fatores que extrapolam a falta de dinheiro e que também rebaixam a qualidade de vida, seis em cada dez jovens do país vivem na pobreza, sendo que 18 milhões deles são diretamente atingidos pela pobreza extrema, o que significa que as famílias não têm renda para comprar uma cesta básica de itens fundamentais para sua sobrevivência.

Por Carina Vitral* e Nelson Junior**

Conforme o estudo do Unicef, a falta de saneamento básico apropriado é a privação que prejudica o maior número de crianças e adolescentes brasileiros (13,3 milhões), seguido por educação (8,8 milhões), água (7,6 milhões), informação (6,8 milhões), moradia (5,9 milhões) e proteção contra o trabalho infantil (2,5 milhões). Como classificar um país em que 14,3% das crianças e dos adolescentes não têm o direito à água garantido? É o básico para a vida! E isso pode piorar, com a aprovação, pelo Congresso Nacional, de lei que permite privatizar os sistemas de água e saneamento no território nacional.

Esses são apenas alguns entre tantos indicadores de que a juventude brasileira necessita de muita atenção e de políticas públicas que lhe permitam estudar, se desenvolver, brincar, se divertir, viajar, aproveitar a vida antes de chegar à idade adulta. Se formos ver outros dados – em outros períodos temporais, em diferentes regiões ou distintas variáveis – sobre questões que interferem negativamente no cotidiano dos jovens, os encontraremos aos borbotões.

No Brasil, paradoxalmente, ao mesmo tempo que crianças são forçadas ao trabalho infantil, jovens em idade de trabalhar não encontram emprego. O país tem 2,4 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhando na agricultura, na pecuária, no comércio, nos domicílios, nas ruas e na construção civil, entre outras ocupações, de acordo com dados da Pnad 2016. Enquanto isso, a taxa de desemprego entre jovens com idade de 18 a 24 anos ficou em 27,3% em 2019 – o dobro do índice entre a população adulta. Os dados continuamente mostram que o desemprego no Brasil tem idade, gênero e cor: jovens, mulheres e negros. Se formos mais específicos, identificaremos que as jovens mulheres negras são as mais prejudicadas pela falta de trabalho.

Todos sabemos que o desemprego desestrutura não só a pessoa que está sem trabalho, mas toda a família, tanto mais na faixa etária que ainda não tem profissão estabelecida e pode se ver sem perspectivas quando concluir os estudos na universidade ou em cursos profissionalizantes. É de se supor que muitos jovens se perguntem para que estudar. Pesquisadores dizem que os três primeiros anos de entrada no mercado de trabalho são cruciais para as perspectivas profissionais futuras. E não estamos falando da famigerada “uberização” decorrente dos serviços de aplicativos dominados por poucas empresas de tecnologia que precarizaram ao extremo as relações de trabalho e exploram em grau máximo a mão de obra de milhões de trabalhadores, a maioria jovens que não encontram emprego formal.

A relação entre pobreza e grau de escolaridade nos leva a outros dados desalentadores: o encarceramento de jovens, 40% deles enredados na fracassada guerra às drogas. A faixa de 18 a 24 anos representa um terço de todas as pessoas em regime prisional no país – que tem mais de 773 mil pessoas, 90% do sexo masculino, sendo que 75% só estudaram até o ensino fundamental.

Se fizermos recorte de gênero, a situação é igualmente calamitosa. Os dados de 2016 mostram que das quase 38 mil mulheres privadas de liberdade no sistema carcerário, 63,5% são negras, 47,3% jovens entre 18 e 29 anos, 51,9% tinham o ensino fundamental incompleto, 60,1% eram solteiras e 74% são mães. Resumindo: pobres, negras, jovens, moradoras das periferias e com baixo grau de escolaridade. Ressalte-se que 75,34% dessas mulheres são acusadas ou foram condenadas por crimes sem violência – tráfico de drogas é o mais recorrente.

Em meio a essa realidade, temos um governo Bolsonaro nada preocupado em melhorar a vida da juventude, ao contrário, em seu primeiro ano de governo tornou a educação sua inimiga. Ano marcado pelos grandes tsunâmis da educação e pela resistência à tentativa de sucatear e destruir a universidade pública, com os cortes de verbas para o setor. A negação da ciência e a paralisia do governo no combate à covid-19 deixam o Brasil como a segunda nação do mundo com mais casos e número de óbitos, causando a dor a milhares de famílias. A ausência de ação na economia se agravou na pandemia, já são 7,8 milhões de postos de trabalho perdidos nos três primeiros meses da doença, e a juventude, por estar nos trabalhos mais precários, é a primeira também a ser atingida.

O que esperar do futuro nestes tempos em que a depressão econômica se funde com o obscurantismo político que golpeia gravemente o Estado de Direito, o regime democrático, a política partidária, a participação social, os sonhos e a energia criativa das pessoas? Os avanços civilizatórios dos anos de governos populares são dizimados em ritmo de avalanche. O que esperar de um país cujo governo corteja a morte e escolheu a democracia como inimigo maior? Esse clima pesado que se abateu sobre o Brasil nos anos recentes, somado ao profundo impacto do novo coronavírus, afeta o viver nas cidades e afeta diretamente a juventude, por natureza a fase das descobertas, da liberdade, do desfrutar o convívio social, os rolês pelos espaços públicos, os encontros na pracinha, a vida ao ar livre. A juventude que, privada do conforto material, se vê também tolhida do livre pensar, bombardeada por discurso de ódio e cercada por fake news.

E, mais recentemente, atingida em cheio pelos efeitos da crise do coronavírus, conforme levantamento divulgado em 22 de junho pelo Conselho Nacional da Juventude (Conjuve). A doença afetou o emocional de 70% dos indivíduos de 15 a 29 anos, devido ao medo de infecção, desemprego, dificuldade de adaptação (por que não dizer também de acesso?) ao ensino virtual e até o aumento da depressão. Seis a cada dez jovens consideram que escolas e faculdades devem priorizar atividades que os ajudem a lidar com as emoções. Centros especializados, no Brasil e no exterior, já vêm pesquisando os efeitos da epidemia sobre a saúde mental de crianças e adolescentes, inclusive porque as condições de saúde mental já eram, antes da covid-19, causa de 16% das doenças e lesões em pessoas com idade entre 10 e 19 anos, sendo a depressão e o suicídio as principais causas de morte.

Nesse mesmo diapasão, dirigentes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) aventam o risco de a crise da epidemia criar no mundo uma “geração perdida” de jovens profissionais, cujos efeitos podem ser sentidos ao longo de muitos anos, caso não haja intervenções positivas de governos e empresas. Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) resume: “A pandemia está impondo um choque triplo aos jovens”, isso porque “Não apenas ela está destruindo seus empregos, mas também interrompendo sua educação e treinamento e colocando enormes obstáculos no caminho dos que tentam entrar no mercado de trabalho ou trocar de emprego.”

Mas não sucumbiremos! A juventude traz a marca da rebeldia, da contestação, da inovação, e para ela nós temos uma mensagem de esperança. Não fosse por outra razão, no mínimo para oferecer alento aos mais de 1,3 milhão de eleitores entre 16 e 17 anos que se cadastraram para votar, apesar de o voto lhes ser facultativo. Isso significa que eles têm anseio de interferir nos rumos do país e de suas cidades – onde vive a maior parte dos 210 milhões de brasileiros. E nós temos a responsabilidade de mostrar-lhes, assim como aos 42% que formam a população abaixo de 30 anos, que o Brasil não é isso que o bolsonarismo pratica e que a pandemia escancarou.

Vamos nos organizar e mostrar que a eleição de novos governos municipais e novas bancadas de vereadores pode ser o início do freio de arrumação político-institucional que o país necessita. E se a vida acontece nas cidades, temos um conjunto de propostas para melhorar as urbes em que vivemos. Aqui, pincelamos alguns pontos para estimular o debate, tendo em conta que a realidade varia conforme o estado ou a região, mas há questões comuns a qualquer perfil de cidade, como a necessidade de cumprir o Estatuto da Juventude naquilo que seja aplicável aos municípios, como adotar medidas intersetoriais e parcerias com a iniciativa privada para criação de empregos e promoção de estágio e aprendizagem para os jovens.

Como espaços de participação democrática, de controle social e de formulação e gestão de políticas públicas, devemos estimular em todos os municípios – onde não existem – a criação de Conselhos Municipais, Secretarias ou Coordenadorias de Cultura, Esporte, Meio Ambiente, Juventude, Mulheres, LGBTs, Negros e outros segmentos em que a juventude atua de forma organizada. Outro aspecto comum a qualquer localidade é que as políticas públicas precisam ser transversais e intersetoriais, para conectar as múltiplas interfaces com o segmento.

Ainda que nem todos os pontos elencados sejam da alçada dos municípios, as prefeituras e câmaras de vereadores têm papel no fomento dessas ações e no suporte material e institucional às iniciativas originadas na sociedade. Nossas candidaturas à eleição deste ano devem abraçar essas ideias ou bandeiras não só como plataforma de campanha, mas de atuação nos futuros mandatos do PCdoB.

Educação
O sistema educacional ganhou mais visibilidade durante a pandemia. As pessoas perceberam o papel que a escola tem no cotidiano de milhões de crianças e jovens – inclusive para garantir alimentação dos alunos das camadas mais pobres –, assim como se deram conta de que boa parcela dos brasileiros vive sem as mínimas condições de estudar à distância, porque não têm moradia digna, nem internet, computador ou celular apropriado.
Queremos mais investimento na educação pública, não só para equilibrar os orçamentos insuficientes de antes da pandemia, pois as escolas já estavam sucateadas sem a infraestrutura necessária, mas para que as escolas consigam se ajustar à nova realidade de incerteza que deverá se estender por tempo indeterminado em todo o mundo, o que poderá demandar readequação de espaço físico, revisão do quadro de pessoal e possivelmente outras medidas que impliquem em novos custos. E também para garantir apoio psicológico aos estudantes, às famílias e aos profissionais que eventualmente sofram impactos do vírus.
– Também defendemos valorização dos professores, salário digno e formação continuada.
– Ensino em tempo integral.
– Aumento de vagas nas universidades públicas.
– Combate à violência nas escolas.
– Garantia de condições de trabalho aos profissionais da educação.
– Aumento de vagas nas creches públicas.
– Campanhas pela saúde integral de alunos, educadores e servidores da educação, especialmente programas de atenção à saúde mental dos estudantes, para identificar e tratar ansiedade, angústia, medo, tristeza, depressão e estresse.
– Ação contínua de combate ao machismo e ao racismo nas escolas públicas.
– Inclusão, no Plano Municipal de Educação, da defesa dos direitos da mulher e das chamadas “minorias”.
– Gestão democrática das escolas.
– Incentivo e apoio à organização estudantil.

Cultura
Em poucos segmentos a energia criativa é mais fervilhante que na produção cultural da juventude, onde brotam boas ideias, sobretudo nas periferias, quase sempre subestimadas pelo poder público. A cadeia produtiva da cultura não só constrói cidadania, como gera empregos e movimenta a economia. Quando a cultura fica asfixiada – como nos dias de hoje –, as cidades esmaecem.
Cada vez mais frequentes e relevantes, iniciativas como redes de comunicação nas comunidades, articulações territoriais, gastronomia nas favelas e arquitetos da periferia precisam de instrumentos potencializadores, assim como o verdadeiro empreendedorismo que engaja indivíduos, grupos e ONGs, em benefício de pequenos negócios ou de causas sociais.
As prefeituras devem disponibilizar circuitos públicos gratuitos para a juventude consumir cultura (shows, teatro, festivais, etc.) e adotar mecanismos de incentivo à arte urbana (grafites, música de rua, poesia, literatura, malabares e outras), estimular saraus, grupos de leitura, festivais, feiras, rodas de samba, rodas de capoeira, cineclubes, hip hop, teatro popular, bloquinhos de rua e a cultura nerd, geek e pop, entre outras manifestações que engrandecem as cidades.
Precisamos também que a nossa cultura popular esteja na escola, fazendo parte do currículo e do cotidiano da comunidade escolar.

Cidade democrática
A desigualdade se perpetua porque o Estado tolhe das novas gerações a chance de melhorar as condições de vida. A qualidade de vida implica, entre outros fatores, em acesso a espaços públicos de lazer, esporte, cultura e tecnologia. Para barrar a barbárie bolsonarista, precisamos de cidades plurais, mais humanas, igualitárias, sustentáveis e democráticas, abertas à diversidade, à criatividade, à cooperação e à participação dos seus habitantes nas decisões.
– É indispensável implantar, nas periferias, centros esportivos, quadras, campos, pistas, rampas e outros espaços para a prática de atividade física, de modalidades esportivas tradicionais e também dos chamados esportes urbanos (skate, patins, ciclismo, slackline).
– Ampliar a quantidade de centros culturais ou polos de cultura e de inclusão digital nas comunidades periféricas.
– Criação de novos parques públicos, praças e ruas de lazer.

Cidade antirracista
O combate ao racismo precisa perpassar todas as políticas públicas e ações de governos, parlamentos e Judiciário, entrelaçado com as iniciativas da sociedade.
– Negras e negros nos espaços de poder.
– Fim do genocídio da juventude preta, pobre e periférica.
– Não à violência policial.

Direitos
– Políticas públicas de combate à discriminação, violência, assédio e preconceito contra mulheres, negros, LGBTIs e indígenas.
– Chega de machismo, racismo e LGBTfobia.
– Incentivo às mulheres na política.
– Incentivo ao primeiro emprego e à formação de aprendizes, para os jovens e as mulheres.
– Adesão dos municípios e estados à Agenda do Trabalho Decente da Organização Internacional do Trabalho.
– Apoio à luta dos trabalhadores de aplicativos por melhores condições de trabalho e por salário digno.

Mobilidade urbana
As prefeituras devem assegurar a qualidade do transporte público que, na maioria das localidades, é superlotado e sucateado. É necessário diminuir o valor das tarifas – muito altas em praticamente todos os municípios, em contraste com a renda baixa da maioria dos brasileiros, em particular a dos jovens.
Para garantir o acesso integral à educação e à cultura, nossa luta é para assegurar o direito ao passe livre estudantil irrestrito em todas as cidades.

Voluntariado
A pandemia demonstrou que a juventude é solidária e se engaja no ativismo social sempre que há uma boa causa. Defendemos parcerias do poder público com a sociedade civil para potencializar as iniciativas de trabalho voluntário, em geral sustentadas por financiamento coletivo e mobilização via redes sociais, portanto com alto potencial de sucesso.

*Carina Vitral é presidenta nacional da União da Juventude Socialista (UJS), presidiu a União Nacional dos Estudantes (UNE), integra o Comitê Central do PCdoB e é pré-candidata a vereadora na bancada feminista em São Paulo
**Nelson Junior é coordenador nacional da Juventude Pátria Livre (JPL)