O governo de Jair Bolsonaro tem usado dinheiro do orçamento secreto e realizado pregões eletrônicos com concorrência limitada para furar poços, que depois abandona com a obra no meio e sem garantir acesso à água para a população.
O governo diz ter montado uma força-tarefa para construir diversos poços na região Nordeste e no Norte de Minas Gerais, mas parte dessas obras nunca foi inaugurada e não está ajudando a população.
O Estadão visitou alguns poços, conversou com a população e descobriu, analisando documentos, possíveis fraudes na contratação das obras. Pregões envolvendo milhões de reais foram feitos em menos de dez minutos.
O governo também tem contratado novas obras sem que as anteriores fossem concluídas, formando o que o Estadão chamou de “cemitério de poços abandonados”.
As obras são contratadas pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) e pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
Contratos do atual governo – que somam R$ 1,2 bilhão – para a perfuração de poços trazem indícios de irregularidades em pregões milionários e na reserva de recursos para abertura de novos poços sem que outros sejam concluídos.
No interior do Piauí, na cidade de Oeiras, os moradores do assentamento rural Faveira do Horácio ouviram do governo que receberiam um poço, mas a obra está lacrada até hoje.
Um poço de 212 metros de profundidade começou a ser cavado pelo Dnocs, em junho de 2020, próximo à comunidade. Porém, ainda em 2020, o poço foi lacrado.
Segundo a reportagem do Estadão, as 24 famílias do local planejavam fazer uma plantação de 24 hectares de caju por conta do poço, mas o plano foi adiado. “O poço tem uma vazão bastante forte, potente, daria conta”, disse Francimário Borges de Moura, de 47 anos.
Na mesma região, no povoado de Mata Fria, o governo Bolsonaro abriu um outro poço, também pela metade.
“Eles abriram, mas não encanaram a água para nós. A gente fica triste, porque tem água doce perto, mas não pode usar”, contou Valmira Fernandes de Araújo, de 37 anos.
A água que chega à casa das pessoas é considerada, pelos próprios moradores, inadequada. Para conseguir água potável, Valmira e sua família precisam andar cerca de um quilômetro até a nascente.
Em Alagoinha, em Pernambuco, o governo cavou um poço mas instalou uma bomba que não tem potência para abastecer as casas que ficam em lugares mais altos. Além disso, a água “tem gosto de sal”. “Em vez de espumar (com sabão), ela vira um material diferente. A gente põe a água no corpo quando está tomando banho e pode passar o sabão dez vezes: todas as dez vezes sai sujo”, segundo Antônio Francisco da Silva Costa, o Antônio Marçal, de 54 anos, morador da cidade.
A construção de poços é um dos pontos sobre o qual Jair Bolsonaro tenta basear a sua campanha, dizendo que seu governo foi competente. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), disse que Bolsonaro “nos deu a determinação de levar um grande programa, uma verdadeira força-tarefa para que a gente unifique diversos órgãos que são voltados ao sistema de abastecimento de água para a população”.
Jair Bolsonaro chegou a citar os poços durante o lançamento de sua candidatura, mas não mencionou que estavam construídos pela metade, apenas para ter números.
O Estadão avaliou os pregões eletrônicos realizados para a contratação dos serviços e dos equipamentos que são usados nas obras e descobriu que as informações “são genéricas”.
Segundo o jornal, “parte dos editais da administração federal não informa a localidade exata onde o poço deve ser perfurado. Há pregões em que nem o tipo de rocha é especificado”.
O Tribunal de Contas da União (TCU) afirma que é “indispensável” ter uma “definição precisa e suficiente” das obras que serão feitas, para que haja “igualdade” entre os participantes.
Ainda foram encontrados “indícios de ‘superestimativa’” dos preços e limitação da concorrência. No caso de um contrato de R$ 53 milhões da Codevasf em Alagoas, o pregão durou apenas dez minutos.
O presidente do Sindicato Rural da cidade de Pio IX (PI), Luís Pereira de Alencar, contou ao Estadão que indicou quatro comunidades para receberem as obras, mas não precisou informar quantas pessoas serão beneficiadas ou que os poços seriam furados em propriedades privadas. A Codevasf furou os poços por ele indicados mesmo assim.