A pobreza avançou a níveis que batem recordes históricos nas regiões metropolitanas do país. Em 2021, com país vivendo a pressão da crise econômica e sanitária, inflação descontrolada, desemprego e queda na renda, o número de pobres chegou a 19,8 milhões, o que representa 23,7%, ou quase um quarto, da população das regiões.
As informações são do 9º Boletim Desigualdade nas Metrópoles – nesta edição, o número de pobres é o maior da série histórica da pesquisa, iniciada em 2012. O percentual da população vivendo em condições degradantes também é o maior já identificado. Até então, nunca havia superado 20% dos habitantes das 22 áreas que fazem parte da estatística.
O boletim é produzido em uma parceria entre PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Observatório das Metrópoles e RedODSAL (Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina). A nova edição utiliza dados da Pnad Contínua com recorte anual que traz dados além do desemprego.
Em relação a 2020, são 3,8 milhões de pessoas a mais vivendo na pobreza – quase o dobro da população de Curitiba, capital do Paraná, por exemplo. Naquele ano, em plena pandemia, o número era de 16 milhões.
Outro recorde batido durante o governo Bolsonaro foi o aumento da pobreza extrema, que segundo a pesquisa, chegou a alcançar 6,2% da população das metrópoles em 2021, ou 5,3 milhões de pessoas. Ante 2020, 1,6 milhão de brasileiros passaram a viver em situação extrema.
A pesquisa utiliza como critério para identificar a pobreza o corte de renda per-capita do Banco Mundial. Em valores médios de 2021, convertidos para reais, a linha da pobreza é quando a renda mensal de cada pessoa é de aproximadamente R$ 465. Já a pobreza extrema se caracteriza quando a renda é de R$ 160 por pessoa, por mês. Lembrando que o preço médio de uma cesta básica na época, nas principais capitais do país, já ultrapassava os R$ 600. Ou seja, uma pessoa pobre no Brasil não consegue nem adquirir um conjunto de alimentos básicos para seu sustento.
Brasil do desemprego, carestia e falta de assistência
De acordo com os pesquisadores do Boletim, o salto da pobreza em 2021 se explica pelos seguintes fatores: recuperação incompleta do mercado de trabalho (aqui, incluímos os trabalhadores que tiveram que ir para o mercado informal porque não encontram emprego), disparada da inflação e retirada abrupta do Auxílio Emergencial.
“A crise já vinha se desenhando. Estávamos em uma maré muito ruim. Em cima disso, veio a pandemia”, afirma André Salata, professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUCRS e um dos coordenadores do boletim à Folha de São Paulo.
“Em 2021, tivemos ainda o efeito inflacionário”, lembra Marcelo Ribeiro, pesquisador do Observatório das Metrópoles e professor do IPPUR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ), que também é coordenador do estudo.
“As pessoas voltaram ao trabalho, estimuladas pelo avanço da vacinação. Mas essa retomada não foi suficiente para recuperar a renda do período anterior à pandemia. Tudo isso contribuiu para as perdas, sobretudo dos mais pobres”, completa Ribeiro.
Em algumas regiões, quase metade da população vive na pobreza
Em algumas regiões do país, quase a metade da população vive na pobreza, aponta o estudo. É o caso de Manaus (41,8%) e Grande São Luís (40,1%). No caso da pobreza extrema, são graves as situações de Recife (13% da população) e Salvador (12,2%).
Os coordenadores do estudo chamam atenção para o aumento da pobreza também em São Paulo – a maior e mais rica metrópole do país.
“O número de pessoas em pobreza extrema em São Paulo é assustador. Chegou a mais de 1 milhão. Em 2014, era de menos de 400 mil. Claro, a população está aumentando, mas é um salto muito grande. Exemplifica a crise social”, avalia Salata.
“No Rio de Janeiro, o número de pessoas em extrema pobreza também é de quase 1 milhão [subiu de 336,1 mil em 2014 para 926,8 mil em 2021]. É como se tivéssemos uma metrópole extremamente pobre dentro de São Paulo ou Rio”, compara Ribeiro.
Sobre as perspectivas para 2022, os pesquisadores afirmam que o Auxílio Brasil de R$ 600 pode até atenuar o crescimento da pobreza – mas, além de ser uma política transitória e mal estruturada, a inflação elevada corroerá os benefícios ao ponto de não ter muito impacto sobre as condições atuais de vida da população. Atualmente, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumir Amplo (IPCA) já ultrapassa os 11% no acumulado de 12 meses.
“A gente pode ver uma retomada ainda insuficiente para alcançar patamares pré-pandemia. A população mais pobre vai passar por uma conjuntura bastante complicada em termos de renda, de poder aquisitivo”, aponta Ribeiro.
Uma pesquisa da rede Pennsan (Rede de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) divulgada há alguns meses, calcula que o número de brasileiros passando fome explodiu no governo Bolsonaro, passando de 10 milhões em 2018 para 33 milhões em 2022.