Na última sexta-feira (17), movimentos sociais do Vale do Ribeira e do litoral do estado de São Paulo, junto a intelectuais e parlamentares, reergueram o busto de Carlos Lamarca em Cajati (SP).

O personagem histórico foi capitão do Exército Brasileiro e combateu a ditadura militar, que tomou o poder no Brasil entre 1964 e 1985, Lamarca teve um papel fundamental na história do país. Como consequência, Lamarca foi assassinado por agentes da ditadura em 17 de setembro de 1971 no interior da Bahia.

Em 2012, o busto foi colocado no Parque do Rio Turvo em Cajati. A homenagem na última sexta consistiu no lançamento de um novo busto no mesmo local, após a retirada ilegal do mesmo promovida pelo então ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, Ricardo Salles, em 2017. Salles se tornou réu pela ação em 2019, quando uma juíza aceitou a denúncia do Ministério Público contra ele por crime contra o patrimônio.

O busto original, removido pela Polícia Ambiental a mando do ex-ministro, jamais foi encontrado, assim como muitos dos mortos pela ditadura militar. Entretanto, foi reproduzido e recolocado em seu lugar na mesma data do assassinato de Lamarca.

De acordo com o movimento Lamarca Vive, a homenagem com a instalação de um novo busto foi uma decisão do Conselho do Parque, integrado por membros do poder público e da comunidade, “além de ter seguido todos os trâmites administrativos e públicos”, reforça o movimento.

Os parlamentares José Américo (PT), Carlos Giannazi (PSOL), Glauber Braga (PSOL) e Samia Bomfim (PSOL) estiveram presentes na cerimônia que buscou retomar a memória da luta contra a ditadura. Ao mesmo tempo em que relembrou a passagem do Lamarca pelo Vale do Ribeira.

Muito maior que Bolsonaro

Em entrevista ao portal Agência Pública, Cláudia Lamarca, filha de Carlos Lamarca contou sobre as histórias e o orgulho que tem sobre seu pai e tudo o que ele fez pelo país, para garantir a democracia.

A última lembrança que tem do pai é a despedida no aeroporto antes do embarque dela e da família para o exílio em Cuba em 1969. “Ele disse: “O pai precisa lutar para que as crianças no Brasil tenham o que vocês têm”. Essa despedida foi muito marcante. Eu tinha 7 anos”, contou.

Após 50 anos depois de sua morte, Claudia endossa o ato organizado pelos movimentos sociais em memória do ex-guerrilheiro, que recolocou um busto arrancado em 2017 por Ricardo Salles. Cláudia afirmou que ficou chocada com o ato de Salles, mas que hoje comemora a recolocação do busto.

“Pessoalmente fiquei muito chocada e nervosa com esse ato em 2017 que retirou o busto do meu pai. Era algo que já estava há bastante tempo e aceito pela população. Então, na época fiquei muito contrariada, soltei uma nota de repúdio. Foi uma afronta com quem ficou, com quem restou. Parece que foi algo para magoar ainda mais aqueles que têm o sangue dele”.

“E hoje a recolocação do busto do meu pai é uma vitória. Eu me senti muito honrada em saber que seria feita essa homenagem justamente numa data tão importante quanto o 17 de setembro. Para mim, a recolocação é a contestação a esse ato arbitrário do Salles”, disse.

“Afinal, não é retirando um busto que se calam as pessoas, que apaga a memória. Muito pelo contrário: no momento em que o assassinaram, eles perpetuaram o nome Lamarca. Eles foram altamente burros nessa metodologia. No momento em que assassinaram meu pai, eles perpetuaram o nome dele. No momento em que retiram o busto, perpetuam o nome dele. Se retirarem o busto de novo, vão perpetuar mais o nome dele. Quanto mais e mais e mais e mais eles tiverem atitudes arbitrárias, mais vão perpetuar o nome Lamarca”, continuou.

Quando questionada sobre a obsessão de Bolsonaro em manchar a história de Lamarca, Claudia afirma que Bolsonaro se apoia em mentiras, com ataques covardes a quem já não pode se defender. “Lamarca é muito maior que Bolsonaro”.

“Muitas pessoas passaram a conhecer o nome Bolsonaro recentemente. Ele não era representativo no Congresso. Mas eu conheço o nome do Bolsonaro há muitas décadas, justamente porque eu sempre tomei ciência das menções que ele fazia do meu pai. E eu via como um ato desesperado de alguém fora de si, porque falava de uma pessoa morta que não podia se defender”.

“Então existe uma covardia nesse afronte dele ao falar sempre do Lamarca. Até porque Lamarca é muito maior do que Bolsonaro. A coragem que ele teve em todos os atos… Bolsonaro nunca teria essa coragem de largar tudo em prol de um ideal verdadeiro, que se acreditou verdadeiro. Então eu conheço esse afronte, porque já não é mais o Lamarca que escuta, somos nós que escutamos. Mas sempre disse pra mim que não vou dar papo pra maluco”, afirmou.

Por fim, questionada sobre a icônica frase ‘Ousar lutar, ousar vencer’ em relação às batalhas atuais, Claudia afirma que há muitas lutas a se combater nos dias de hoje.

“A gente tem várias lutas a serem vencidas. O governo atual representa todas as pautas que já deveriam estar encerradas. A democracia não se discute, ela tem que estar e pronto. O que existe hoje é uma estratégia de tirar tudo do indivíduo. E no exato momento em que você tira tudo ele aceita qualquer coisa e agradece pelo nada. Eu digo: não cabe ditadura. Coitado do povo que pede a ditadura e intervenção militar. Então essas várias lutas precisam ir contra o fascismo. Não pode existir espaço para fascismo, não pode existir espaço para misoginia, preconceito, racismo e homofobia”, concluiu.