De acordo com estudo publicado pela revista internacional Plos Medicine, a austeridade econômica em vigor no país poderá causar a morte de 20 mil crianças até 2030. Esse aumento está diretamente ligado ao corte de verbas para os programas sociais que vinham mostrando resultados positivos nos últimos anos, como o Bolsa Família.

A pesquisa publicada nesta terça (22) utiliza modelos matemáticos e estatísticos para medir os efeitos da crise econômica e o impacto do corte de verbas na saúde infantil em todos os 5.507 municípios brasileiros para o período 2017 até 2030.

Os pesquisadores fizeram uma simulação de quantas mortes de menores de cinco anos poderiam ser evitadas até 2030 caso os programas Bolsa Família e Estratégia de Saúde da Família que beneficiam 21% e 65% da população, respectivamente.

Se esses dois programas tivessem seus orçamentos aumentados de forma proporcional ao acréscimo no número de pobres no país, seriam 19.732 mortes a menos até 2030 em comparação com o cenário mais provável, o de que os orçamentos aumentem apenas segundo a inflação do ano anterior, como prevê, de forma global para todas as pastas do Governo, a Emenda Constitucional 95 (antiga PEC 241). A extrema pobreza no Brasil aumentou 11% entre 2016 e 2017, mas o orçamento do Bolsa Família previsto para este ano é menor do que o do ano passado.

Ou seja, o aumento no número de mortes de crianças está associado ao corte de verbas em programas sociais.

“Quando você congela os gastos, ou seja, os ajusta de acordo com a inflação, você não consegue manter o nível de proteção social que você tinha antes”, disse Davide Rasella, do Instituto de Saúde de Coletiva da Universidade Federal da Bahia e principal autor do estudo ao El País.

Segundo ele, a matemática não fecha porque há três dinâmicas sociais que não estão sendo ajustadas: primeiro, o crescimento populacional que faz com que se tenha menos dinheiro por pessoa. Depois, o envelhecimento populacional, dinâmica importante tanto para a assistência social como para a saúde. E, ainda, a inflação da tecnologia da saúde, que faz com que os custos da área aumentem a cada ano.

“Está claro que os programas sociais têm um impacto altamente benéfico na saúde das crianças brasileiras. Por isso, é preciso reverter propostas de medidas de austeridade que os afetam”, disse à Folha de S. Paulo o professor Christopher Millett, do Imperial College of London e um dos autores do estudo.

Não é preciso aguardar até 2030 para se comprovar o resultado negativo da austeridade fiscal, que engloba restrições orçamentárias como o teto dos gastos – congelamento de investimentos durante 20 anos.

De acordo com dados do Ministério da Saúde consolidados pela Fundação Abrinq, a mortalidade infantil entre crianças de 1 a 4 anos cresceu 11% entre 2015 e 2016. Este foi o primeiro aumento da mortalidade infantil após 13 anos consecutivos de queda. Entre um mês de vida e um ano de idade também houve crescimento de 2% no número de mortes.

Além disso, o percentual de crianças menores de cinco anos em desnutrição (de baixa estatura para a idade), por exemplo, aumentou de 12,6% para 13,1% de 2016 para 2017, segundo dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) consolidados pela Fundação Abrinq.

Em entrevista à Folha, Davide Rasella disse que as consequências das medidas de austeridade no Brasil são muito preocupantes porque terão longa duração, até 2030.

Ele disse ainda que nos outros países, como a Grécia, as medidas de austeridade vigoraram apenas no período da crise econômica e esses países “não tinham o nível de mortalidade infantil do Brasil, que é bem alto se comparado aos países desenvolvidos.”