Em uma semana, o número de casos confirmados de Covid-19 no mundo aumentou em 1 milhão, para o total de 9 milhões, à medida que, como assinalou a Organização Mundial da Saúde (OMS), a pandemia se desenvolve “em vários países populosos ao mesmo tempo”, em referência aos Estados Unidos, Brasil, Rússia, Índia e Bangladesh, entre outros, e diante do que o diretor-geral Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, de “nova e perigosa” fase da doença, com as pessoas “compreensivelmente fartas de estar em casa, os países compreensivelmente ansiosos para abrir suas sociedades e economias, e o vírus ainda se espalhando rapidamente”.

No domingo (21), a OMS registrou o maior total de casos diários confirmados no mundo até agora, 183 mil – em marcha para atingir 10 milhões de infectados até o final desta semana e a trágica marca de 500 mil mortos. “Parece que quase todos os dias alcançamos um novo e sombrio recorde”, afirmou o Dr. Tedros.

A média móvel de sete dias de casos diários, que não fica abaixo de 100 mil desde 27 de março, está prestes a ultrapassar 150 mil. O Brasil no sábado alcançou o triste recorde de 50 mil mortos. Das 3.847 mortes em 24 horas registradas pela OMC na terça-feira (23), 61% delas foram no continente americano, onde EUA e Brasil vêm se alternando como o recordista diário de casos no mundo, o primeiro, com 2,3 milhões de infectados, e o segundo, com 1 milhão.

Na coletiva de segunda-feira (22), o diretor executivo do Programa de Emergências em Saúde da OMS, Michael Ryan, disse não acreditar que o aumento de casos confirmados fosse simplesmente devido a mais testes, hipótese alegada principalmente pelo presidente norte-americano, mas não só por ele.

“Não acreditamos que este seja um fenômeno de testes”, disse ele, observando que vários países também notaram aumentos acentuados nas internações e mortes – nenhum dos quais pode ser explicado pelo aumento dos testes.

“Definitivamente há uma mudança na forma de que o vírus está agora muito bem estabelecido”, disse Ryan. “A epidemia está agora atingindo o pico ou se movendo em direção a um pico em vários países grandes ao mesmo tempo.” Ele acrescentou que a situação estava “definitivamente acelerando” em vários países, incluindo EUA, Brasil e outros no sul da Ásia, Oriente Médio e África.

“SANGUE NAS MÃOS”

Na terça-feira, o presidente Trump disse mais abertamente que não era “brincadeira” retardar a testagem. O que ele esboçara na semana passada, ao dizer em entrevista ao Wall Street Journal que “pessoalmente” achava que os estes são “superestimados, mesmo que eu tenha criado a maior máquina de testes da história” e antecipando o mote de que o aumento de casos confirmados “nos faz parecer ruins”.

Em outra entrevista, Trump minimizou a pandemia e as mortes, alegando que “os números são muito minúsculos comparados com o que era [esperado]”. “[a Covid-19] está morrendo”, acrescentou, prometendo “grandes anúncios” sobre vacinas e terapêuticas “em um futuro não muito distante”.

Tipo de declaração que causou indignação, como a do professor de Saúde Pública na Universidade de Yale, Howard Forman, que acusou Trump de ter “sangue nas mãos”. O senador democrata Ed Markey chamou a pressão de Trump para diminuir a testagem de “criminosa”.

ALTOS E BAIXOS

Enquanto a Europa dava mais passos para o relaxamento das medidas sem precedentes de contenção da pandemia, com a França permitindo a volta às aulas e o primeiro-ministro britânico prometendo reabrir os pubs a partir de 4 de julho, o quadro na América do Sul é consternador, com o Brasil, México, Peru e Chile com crises severas.

Nos EUA,  23 estados registraram altas nos casos de coronavírus, apesar de, no foco anterior, a cidade de Nova Iorque, começar ensaiar uma volta à – quase – normalidade.

Os casos da Covid-19 na Índia aumentaram quase 15 mil pessoas na segunda-feira, para 452 mil, com mais de 13 mil mortes. Após atenuar as quarentenas nacionais, o governo indiano permitiu nas últimas semanas que trens especiais levassem milhares de trabalhadores migrantes de volta às suas aldeias de origem. Quase 90% dos distritos mais pobres do país têm casos, embora o surto permaneça centrado nos estados de Delhi, Maharashtra e Tamil Nadu, onde há grandes cidades.

Outros países sentem necessidade de reforçar as medidas de contenção, como a Arábia Saudita, que costuma ter 2,5 milhões de peregrinos no ritual do Haji, e este ano só permitirá um número “muito limitado”.

Quem já conseguiu reabrir, não quer dizer que os problemas acabaram. A China, que controlou o surto inicial de foco em Wuhan, viu um repique do coronavírus em Pequim. Lisboa (Portugal) e Melbourne (Austrália) também comprovaram uma reirrupção de contágios.

A OMS também saudou a recente descoberta de pesquisadores britânicos que a dexametasona esteroide – um remédio barato e com muitos fabricantes no mundo – tem potencial de salvamento para pacientes covid-19 gravemente doentes. A OMS destacou que o próximo desafio é aumentar a produção e distribuir a dexametasona de forma rápida e equitativa em todo o mundo, focando onde ela é mais necessária.

UNIÃO E SOLIDARIEDADE

O Dr. Tedros advertiu que o grande adversário na contenção da pandemia tem sido a divisão internamente em vários países e a falta de cooperação internacional – óbvia referência à sabotagem da OMC por Trump e, quanto à “divisão”, à ação deletéria de governos como o brasileiro contra as orientações da ciência e contra o distanciamento social.

O diretor-geral reafirmou que é preciso “a união nacional e a solidariedade internacional” para fazer frente à pandemia e acrescentou que não se trata de “escolha entre vidas e meios de subsistência”. “Os países podem fazer as duas coisas”, afirmou.

‘Encontrar e testar casos suspeitos funciona. Isolar e cuidar dos doentes funciona. O rastreamento e quarentena de contatos funciona. E proteger os trabalhadores da Saúde funciona”, reiterou, enfatizando a centralidade da ação governamental, apoiada na conscientização de todos sobre como proceder diante do patógeno e como se proteger e aos demais.

Essas medidas “só podem ser eficazes se cada indivíduo tomar as medidas que também conhecemos trabalhar para proteger a si mesmos e aos outros: mantenha distância física; continue limpando as mãos; e use uma máscara quando for apropriado”, destacou.

O Dr. Tedros ressaltou que o mundo “está aprendendo da maneira mais difícil que a saúde não é um item de luxo; é a pedra angular da segurança, estabilidade e prosperidade”, e chamou os países não apenas a responder à pandemia, mas também investir em sistemas de saúde fortes e na segurança mundial da saúde.

Ele conclamou “mais do que nunca, todos os países a fazerem da cobertura universal de saúde uma prioridade”, lembrando que a Asembleia Geral das Nações Unidas do ano passado adotou uma declaração política marcante sobre a cobertura universal de saúde. “Não é uma questão de saber se os países podem se dar ao luxo de fazer isso, é uma questão de se eles podem se dar ao luxo de não fazê-lo”, alertou.