Em entrevista para o site da Fundação Maurício Grabois, Nádia Campeão fala sobre os desafios de se estruturar políticas públicas voltadas para a construção de cidades mais democráticas, tema do curso em vídeo oferecido pela FMG. A Secretária de Relações Institucionais e Políticas Públicas do PCdoB e vice-prefeita de São Paulo na gestão de Fernando Haddad destaca que para enfrentar os problemas urbanos seria preciso “outro rumo, que combine desenvolvimento, retomada da geração de emprego, elevação da renda, investimentos em saúde, educação e ciência públicas. Nada disso será possível com a continuidade do governo Bolsonaro”.
Nádia é autora do livro Cidades Democráticas – A Experiência do PCdoB e da Esquerda em Prefeituras (1985-2018), publicado pela Editora Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, e que traz uma sistematização e um balanço das principais experiências da esquerda à frente das prefeituras. Esse trabalho também inspirou a realização do curso em vídeo que está sendo oferecido pela FMG de forma gratuita. “É importante assistir todos os módulos para que se tenha uma visão integrada e multifacética da questão urbana e dos desafios atuais das nossas cidades”, afirma.
Um dos maiores desafios da contemporaneidade é a gestão de grandes metrópoles, que cresceram de forma desordenada e sem planejamento. Como enfrentar problemas estruturais, com a participação da comunidade, buscando construir espaços urbanos mais democráticos?
Nádia Campeão: É verdade que nossas grandes cidades convivem com problemas estruturais, os quais vão sendo enfrentados ou lentamente, ou nem apresentam perspectivas de superação. No primeiro caso, poderíamos citar a questão do acesso universal dos domicílios ao saneamento básico e os problemas relativos ao transporte público coletivo. No segundo, em que não se vislumbram medidas efetivas, estão as enormes desigualdades entre áreas consolidadas das cidades, servidas por infraestrutura urbana razoável, e as vastas regiões mais afastadas ou onde residem as camadas trabalhadoras mais pobres, destituídas de serviços básicos, a começar do acesso a moradias seguras e dignas. Seria necessário colocar a reforma urbana na agenda pública nacional, somando os esforços de todos os níveis de governo. Em isso não ocorrendo, cabe lutar para que os governantes eleitos apresentem compromissos claros de agir sobre os problemas mais importantes, dando prioridade a estas regiões e populações que carecem do direito à cidade nas questões mais básicas.Mas e quando pensamos nos pequenos municípios, quais são os maiores desafios?
Os pequenos municípios reproduzem em menor escala vários problemas vividos pelas médias e grandes cidades. É o caso da violência e do desemprego, por exemplo. E ainda são mais frágeis na arrecadação própria, operam com orçamentos muito reduzidos e dependentes das transferências dos estados e da união. Seria muito recomendável que fossem incentivadas a formação dos consórcios regionais, onde os municípios de uma mesma região pudessem atuar em conjunto na solução dos problemas relativos ao transporte, saúde, aterros sanitários, segurança hídrica e outros.
O mundo vive a pandemia do Coronavírus. Milhões de pessoas em todo mundo estão em isolamento, os segmentos mais carentes da sociedade permanecem ou expostos à contaminação ou sem acesso à saúde. Esse é o tipo de situação que aumenta ainda mais as reflexões de como o espaço urbano e as políticas públicas devem se reestruturar. Como você avalia esse cenário?
O enfrentamento à pandemia do coronavírus já seria desafio imenso mesmo que o Brasil fosse um país bastante desenvolvido, Os exemplos internacionais, da Europa e dos EUA, estão aí a comprovar. Mas, no nosso caso, somam-se muitas outras fragilidades, como a desigualdade social, o baixíssimo crescimento, a desindustrialização (imagine um país depender da importação de máscaras e respiradores, quando todos os países deles necessitam ao mesmo tempo!), e mais do que tudo os ataques frontais que as políticas públicas e o SUS vêm sofrendo desde o governo de Temer, agravados com a eleição do Bolsonaro. A aprovação do teto dos gastos, o confronto com os médicos cubanos e o programa Mais Médicos, os cortes no orçamento da ciência e pesquisa, a completa insanidade do presidente da República, são fatores agravantes da situação. Como falar de isolamento social ou quarentena para a maior parte do povo que vive em condições precárias e sobrevive com trabalho informal?Espera-se que tudo isso que está acontecendo fortaleça a luta por uma outra orientação para o desenvolvimento nacional, um outro rumo, que combine desenvolvimento com reindustrialização, retomada da geração de emprego, elevação da renda, investimentos em saúde, educação e ciência públicas. Nada disso será possível com a continuidade do governo Bolsonaro.
Na hora de discutir as plataformas eleitorais, candidatos e candidatas inevitavelmente acabam hierarquizando questões, uns dizem que a prioridade é segurança, outros dizem que é saúde, educação, moradia e assim por diante. Como um gestor que pense numa cidade mais democrática deve entrelaçar esses temas?
Quem governa uma cidade precisa atuar sobre um grande conjunto de áreas e desenvolver um complexo de políticas públicas que sustentam todo o funcionamento urbano, dando garantias de que a população viva numa cidade limpa, onde o transporte público funcione, a escola tenha qualidade, os equipamentos de saúde sejam resolutivos, e ainda se enfrente as calamidades como chuvas, enchentes e epidemias, que proporcione áreas públicas de lazer e cultura, que estimule a cidadania e a participação democrática. Então, na prática, devem haver prioridades mas sem abandonar nenhum outro encargo municipal. Embora a maioria das pesquisas feitas com a população sempre indiquem que saúde e segurança pública sejam os principais problemas sentidos, acredito que atualmente será preciso responder prioritariamente ao quadro de crise social e desemprego que se alastra. A começar pelo aumento da população em situação de rua, que vêm ocorrendo em todas as cidades do país, independente do seu tamanho ou nível de desenvolvimento.Neste sentido, preocupa muito o fato de que com a estagnação da economia – talvez até recessão – a arrecadação das prefeituras despenque e justamente num momento em que é preciso fazer mais gasto público, os recursos sejam mais escassos. Os municípios já vinham sendo pressionados por receber mais responsabilidades e não receber aportes orçamentários correspondentes. Um novo pacto federativo é necessário no curto prazo.
Como o curso em vídeo que está sendo disponibilizado pode ajudar a pensar nestes e em outros temas?
O curso apresenta uma reflexão bastante abrangente dos principais temas que afetam a gestão municipal, inclusive o contexto geral em que estão inseridos. Vamos encontrar, nas aulas e entrevistas, tanto diagnósticos como problematizações e propostas, tratadas por pessoas que tem muita experiência e elaboração acumulados. É importante assistir todos os módulos para que se tenha uma visão integrada e multifacética da questão urbana e dos desafios atuais das nossas cidades.
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*Entrevista originalmente publicada em 22 de março de 2020.