A cidade enquanto espaço de vivência humana ou a cidade enquanto mercadoria, essa é uma questão de interesse do povo. É um importante debate político em tempos de neoliberalismo. É na cidade que construímos nossos sonhos ou vivemos os pesadelos.O resultado do reflexo das manifestações da natureza são chamadas de catástrofes – e às vezes de problemas urbanos – elas ocorrem independente da vontade humana, porém a falta do planejamento urbano é o principal responsável pelas tragédias anunciada nas cidades.Nesse sentido a ocupação do solo nas cidades precisa ser revisado para que elas se tornem espaços seguros, inclusivos e saudáveis.
Por Wanderley Gomes da Silva*
O espaço público, democratizado ou elitizado, define o tamanho da especulação imobiliária. Esta vem sendo uma das formas de acumulação do capital em detrimento da falta de espaço para a construção de equipamentos públicos e moradias populares para a população de baixa renda nas cidades. Um dos grandes entraves à democratização do uso do espaço urbano é a regularização fundiária. Ela é fundamental para garantir uma cidade para todos, socialmente inclusiva, potencializando as vocações de seu povo, que se manifesta nas artes, na arquitetura e em outras atividades humanas.
A população do Brasil é majoritariamente urbana e concentrada nas grandes metrópoles. Há déficit habitacional de 7,78 milhões de moradias, segundo a Fundação Getulio Vargas, o que significa 9,3% de famílias brasileiras não terem onde morar. Além do déficit habitacional outro grande problema foi a aprovação do projeto de lei L4162/2019, que criou o chamado marco regulatório do saneamento básico, que abre possibilidade de privatização da água. Isso torna impossível a construção de cidades saudáveis, sem o acesso ao saneamento básico e moradia digna. Trata-se de um passo atrás na construção de um Brasil mais democrático e socialmente mais avançado.
A política urbana para ser exitosa precisa integrar o conjunto das políticas públicas e programas sociais que elevem a qualidade de vida de seus habitantes. Sem essa integração a cidade não cumpre sua principal função social que é garantir a qualidade de vida de sua população. Essa integração impede que ela se torne uma mercadoria a ser usufruída somente pelos donos do capital que nela vivem. Sem a integração continuaremos a presenciar a população nas periferias a margem da cidade que produz cultura e lazer, entre outros serviços e manifestações que elevam a condição humana. Não compreender a necessidade da integração das políticas urbana enquanto elemento imprescindível a qualidade de vida da maioria, é desconhecer a história de seu surgimento, é não entender os interesses de classe que se manifestam em seu interior.
É fundamental que na construção de um projeto nacional de desenvolvimento a incorporação dos elementos centrais da reforma urbana estejam garantidos. Um dos elementos são os investimentos públicos que assegurem o acesso das pessoas a todos os serviços públicos, independente da condição econômica e social de seus cidadãos, o uso do espaço urbano que resulte na inclusão social e no bem viver. Desenvolver os elementos da plataforma da reforma urbana no projeto nacional de desenvolvimento a inclui entre as reformas democráticas que colocam o país em outro patamar das relações humanas e sociais.
É importante ressaltar que conseguimos com muita luta escrever na Constituição Federal os artigos 182 e 183 que tratam da política urbana no Brasil e garantem que a propriedade cumpra a função social, a garantia da democratização do acesso a cidade enquanto conquista cidadã. Se não foi fácil incluir tais conquistas, a vida vem demonstrando ser mais difícil fazer seu cumprimento por conta da reação dos interesses econômicos que com eles se confrontam.
É fundamental não permitir que o Estatuto das Cidades(Lei Federal 10.257), com seu conteúdo socialmente avançado, seja revisado. Alterar o Estatuto das Cidades é retrocesso para a política urbana no país, o que mostra a face retrógrada do atual governo federal, que trabalha com a possibilidade de promover mudanças na lei. Impedir qualquer revisão nessa grande ferramenta de construção de cidades melhores para todos é tarefa prioritária não somente dos que lutam pela reforma urbana, mas de todos que lutam por um Brasil mais justo.
Os avanços até hoje alcançados são fundamentais e significam passos importantes no rumo de cidades melhores, mas é preciso no próximo período redobrar os esforços na perspectiva de fazer os programas urbanos nas cidades se transformem em lei federal, deixando a condição de políticas de governos, tornando-se política de Estado, o que muito ajudará na construção da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano de forma perene. Enquanto não for criado o Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano perdurará a fragmentação na ação das políticas urbana nas cidades. A criação de um sistema desse porte coloca em outro patamar a política urbana no país. O sistema unifica a política no seu conjunto e define as responsabilidades dos entes federados na elaboração, na aplicação dos recursos e na aplicação da política urbana, o que eleva o seu patamar a política de Estado.
*Wanderley Gomes da Silva é diretor da Confederação Nacional das Associações de Moradores-CONAM e membro do Conselho Estadual de Saúde do Amapá e do Conselho Nacional de Saúde-CNS