Estruturar políticas públicas para ancorar a gestão das cidades a partir da perspectiva da redução de desigualdades e ampliação de direitos é um dos principais desafios dos setores progressistas, em particular dos comunistas, que se apresentam para a disputa das prefeituras e Câmaras Municipais.
Por Renata Mielli*
O esforço de incorporar propostas de políticas públicas democráticas para a área da Comunicação nas plataformas de candidatos e candidatas às prefeituras e Câmaras Municipais tem sido uma das prioridades das entidades que atuam na luta pelo direito à comunicação no Brasil.
Infelizmente, nas últimas eleições, essas iniciativas têm encontrado muito pouca adesão, seja porque há uma incompreensão geral sobre o tema e a necessidade dele ser tratado como agenda política, e não apenas como instrumento de ação; seja porque há uma visão equivocada de que as políticas para essa área são exclusivas do âmbito federal.
Pelo menos nas três últimas eleições municipais, entidades como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé produziram plataformas com propostas concretas do que poderia ser realizado na esfera dos municípios para contribuir com o objetivo de estimular e fortalecer um ecossistema de comunicação com mais pluralidade e diversidade.
De fato, há áreas de regulação que são privativas da União, mas há, também, um universo de medidas que podem ser desenvolvidas em nível local. Iniciativas que extrapolam os limites da Comunicação para impactar positivamente na geração de emprego e renda, na formação cidadã, na participação social e, consequentemente, para a construção de cidades mais democráticas.
Estruturar políticas públicas para ancorar a gestão das cidades a partir da perspectiva da redução de desigualdades e ampliação de direitos é um dos principais desafios dos setores progressistas, em particular dos comunistas, que se apresentam para a disputa das prefeituras e Câmaras Municipais.
A Comunicação cumpre papel estratégico neste esforço. Isso, porque, numa sociedade hiperconectada, a informação gera valor e agrega valor aos produtos e serviços, mas também determina o grau de inclusão e de democracia. Por isso, os municípios não podem deixar de enfrentar a dimensão econômica, política, social e cultural da comunicação.
Levantamento realizado pelo Atlas da Notícia, Deserto de Notícias, aponta que 62,6% dos municípios brasileiros não possuem veículos jornalísticos. São cidades com número baixo de habitantes, que representam cerca de 37 milhões de pessoas, ou 18% da população nacional.
Pode parecer pouco, mas não é: cidades sem jornalismo local, sem informações de qualidade sobre os problemas da cidade e sobre a ação dos governantes têm um déficit democrático gigantesco.
Além dos desertos, a pesquisa também identificou os “quase desertos”, cidades que possuem apenas um ou dois veículos jornalísticos e que representam 19% dos municípios brasileiros.
As cidades consideradas não desertos representam os restantes 19% do total. Mas, o que caracteriza o ambiente de comunicação nestas cidades, em geral, é a concentração econômica (poucos grupos empresariais dominam a circulação da informação).
O modelo de concessões da radiodifusão, as restrições para a atuação da comunicação comunitária e o alto custo para produção e impressão de jornais e revistas faz com que grande parte dessa produção esteja concentrada nos grandes centros populacionais.
Ou seja, além da concentração econômica, o modelo político adotado no país gera uma concentração geográfica, com hegemonia de veículos nacionais centrada no eixo Rio-SP. Nos estados, essa hegemonia está nas capitais e alguns poucos grandes municípios.
A internet surge, neste cenário, como possibilidade real de democratização do acesso à comunicação por segmentos sociais excluídos da mídia hegemônica (movimentos sociais, sindicais, populares, grupos vulneráveis, negros, mulheres, comunidade LGBT, comunidade indígena). Mas, também, como fator importante para enfrentar o cenário de concentração geográfica e econômica.
Com a internet, o local ganha espaço no ecossistema da comunicação, mas que têm dificuldade de se consolidar por falta de investimento e formação.
Neste sentido, é papel do poder público desenvolver iniciativas para fomentar a produção local, garantindo a diversidade e pluralidade de veículos, estimulando iniciativas comunitárias e pequenos e médios empreendimentos que contribuam para dar visibilidade aos temas de interesse da localidade, além de dinamizar a economia local, gerando emprego e renda.
No entanto, o país ainda possuí um déficit grave de cobertura de internet nos municípios brasileiros. De acordo com os dados mais recentes (2019) da Agência Nacional de Telecomunicações, 28% das cidades não têm infraestrutura de redes de telecomunicações de alta capacidade utilizadas na prestação de serviços de telecomunicações (backhaul).
Além disso, há o problema da exclusão digital mesmo nos municípios com cobertura, exclusão referente à questões de infraestrutura, mas principalmente em razão do alto preço e da baixa qualidade do serviço ofertado.
A pandemia evidenciou de uma forma dramática como a falta de acesso à internet de qualidade é fator de exclusão social, de negação de direitos e aprofundamento de desigualdades. O que impõem, aqui, uma ação do poder público local no enfrentamento aos problemas de acesso.
Como já dito, adotar políticas públicas democráticas para a Comunicação é fator indispensável para a ampliação da liberdade de expressão de todos e é estratégica para a construção de um Brasil mais desenvolvido, soberano e democrático.
Foi com este objetivo que o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé elaborou a plataforma Políticas Públicas de Comunicação para Cidades Democráticas, com ideias para o estímulo à produção de conteúdo para os meios de comunicação alternativos, de criação e fortalecimento da comunicação pública local, de investimentos em infraestrutura, e instrumentos de distribuição de conteúdos e de promoção da cidadania. Além de iniciativas na área educacional, com o objetivo de formarmos cidadãos aptos para se inserirem de forma autônoma num mundo hiperconectado e de abundantes fontes de informação.
1 – Criar linhas de crédito, através de editais públicos, destinados especificamente ao financiamento da produção independente, popular e comunitária, que tenha como foco a cultura local e valorize a diversidade (regional, étnico-racial, religiosa, cultural, de geração, orientação sexual e inclusão de pessoas com deficiência)
2 – Criar e fortalecer fundos públicos para fomentar a produção pública, independente, comunitária e de conteúdo jornalístico profissional independente.
3 – Fomento aos meios alternativos de comunicação, em especial ao midialivrismo, com apoio às rádios comunitárias, música livre, estúdios livres, às plataformas de comunicação em rede, como blogs e sites de produção de conteúdo informativo.
4 – Valorização dos pequenos jornais e de projetos de pequenos empreendedores em comunicação.
5 – Capacitação de agentes de comunicação, como radialistas e comunicadores sociais, para impulsionar a produção de conteúdo e o desenvolvimento local.
6 – Definir política democrática e transparente para a distribuição de publicidade oficial nos meios de comunicação:
a) tornar públicos os critérios de distribuição das verbas e execução orçamentária;
b) evitar pressões indevidas tanto por parte do governo como por parte dos veículos;
c) garantir uma distribuição de recursos que não tome a medida quantitativa de audiência como único critério e que considere, também, os princípios constitucionais definidos para a comunicação social, em particular o da diversidade de informação e opinião;
d) criar critérios de alocação de recursos que considerem a promoção da diversidade e pluralidade de fontes e opiniões, o respeito aos direitos humanos.
7 – Criação de uma agência pública de notícias, que articulasse as informações sobre políticas públicas desenvolvidas nas cidades (pelo poder executivo e legislativo) para prover de notícias os jornais de bairro, rádios comunitárias, rádios convencionais, sites e outros veículos menores com informações sobre ações do poder público.
8 – Adotar política de convergência e articulação das secretárias de comunicação dos diversos órgãos do poder executivo, para articular e potencializar as ações de comunicação da prefeitura.
9 – Política de apoio à radiodifusão comunitária local.
a) Apoiar as rádios e TV’s comunitárias do município, com a criação de um fundo de distribuição de verbas para o suporte à estruturação e funcionamento;
b) Desenvolver Plano Diretor de Radiodifusão Comunitária;
c) Integrar as rádios comunitárias, as estruturas de produção das escolas e centros educacionais, pontos de cultura e outros equipamentos culturais do município com a criação de Centrais Públicas de Comunicação – ou pontos de mídia – que funcionem como espaços para a produção cidadã e que estejam ligadas à distribuição (veiculação ou circulação) dessa produção. As centrais devem ser geridas por conselhos públicos, com participação majoritária dos usuários e da comunidade local.
10 – Solicitar ao Ministério das Comunicações outorga para operação do Canal da Cidadania em sua cidade, nos termos da Portaria nº 489 de 2012.
11 – Estimular que em espaços públicos — postos de saúde, postos de atendimento ao cidadão dos mais variados serviços públicos — os aparelhos de televisão e rádio estejam preferencialmente sintonizados em emissoras públicas.
12 – Estimular a utilização das TV´s Câmaras para veiculação de produtos locais, garantindo a representatividade da comunidade em que ela esteja inserida, e que esta seja feita pelos produtores independentes.
13 – Criar cineclubes populares comunitários com preços populares como forma de universalizar o acesso ao cinema.
14 – Criar rádios e jornais públicos, com a programação definida por conselho popular.
15 – Desenvolver política pública de fomento às liberdades na rede com o desenvolvimento de:
a) licenças livres de obras culturais e educacionais custeadas ou realizadas pelo ente público, e de todos os documentos públicos;
b) adoção e promoção do uso de software livre pela administração pública, com fomento à produção de softwares abertos.
16 – Desenvolvimento de um programa de apropriação crítica das tecnologias, por meio de laboratórios de garagem, espaços para ciência de bairro e pontos de cultura digital, a serem desenvolvidos em parceria com pequenos empreendedores, grupos da sociedade civil e/ou equipamentos públicos — instituições culturais, educacionais e esportivas.
17 – Ampliação da oferta de banda larga gratuita, por meio de pontos públicos de acesso sem fio e de editais que disponibilizem conexão de internet de qualidade para espaços que promovam a comunicação livre e a cultura.
18 – Criar Centros Rurais de Inclusão Digital (Crid), através de parcerias com entidades rurais, escolas e equipamentos públicos existentes nestas áreas.
19 – Desenvolver estudo para definir um plano diretor que preveja dentro do seu ordenamento territorial os direitos de passagem que disciplinam a instalação e a expansão de redes e equipamentos de telecomunicações nos bens públicos (como praças, ruas, estradas, ferrovias e metrôs), nos bens privados, como casas, edifícios, condomínios, e nas infraestruturas e ativos pertencentes a pessoas físicas ou a empresas, como redes de transmissão e distribuição de energia elétrica, postes ou trechos de rodovias.
20 – Estimular pequenos e médios provedores a atuarem na oferta de conexão na última milha para reduzir a exclusão digital.
21 – Desenvolver políticas de compartilhamento de antenas para ampliar a cobertura do atendimento dos serviços de telefonia móvel.
22 – Estimular a criação e o compartilhamento de recursos educacionais abertos, à produção colaborativa de materiais didáticos e processos de aprendizagem, envolvendo escolas, professores, estudantes e a comunidade em geral.
23 – Estabelecer práticas de educação não formal em comunicação, com a realização de oficinas de educomunicação para jovens e adultos.
24 — Incluir na Educação Básica e Ensino Médio disciplinas e/ou conteúdos para desenvolver competências e habilidades voltadas para a leitura crítica de mídia e para o uso das novas tecnologias de comunicação e informação.
25 – Inserir nas bibliotecas públicas jornais e revistas de conteúdos diversificados e alternativos.
26 – Criar o Conselho Municipal de Comunicação, de caráter multissetorial, como ambiente de debate, elaboração e acompanhamento das políticas públicas de comunicação na cidade.
*Jornalista, secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Coordenadora Geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. É membro do Comitê Central do PCdoB.