“Liberdade é não ter medo.”

Nina Simone

A população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais vem conquistando novos signos para suas lutas: assexuais, pessoas não-binárias, crossdresseres, queers, intersexuais, entre outras orientações, identidades e expressões de gênero. A dinâmica diversa que produz a realidade do autorreconhecimento da população LGBT+ em suas especificidades precisa ser acolhida, respeitada e inspirar ações que busquem garantias legais e de seu bem estar físico e mental.

Essa diversidade cada vez maior ainda não está acompanhada de garantias de direitos para esses segmentos. Ainda somos discriminadas, discriminados e discriminades pela maneira de expressar nossa identidades e de demonstrar nossas afetividades.

O recrudescimento da crise política, moral e econômica no Brasil acentuou as violações de direitos contra todas essas pessoas, ocasionando mais ataques aos direitos já conquistados, barreiras imensas para pautas que ainda carecem de avanço, mais abandono, mais isolamento, mais solidão, mais violência e mais lgbtcídios.

No movimento contrário à onda fascista e anti-democrática que domina o Brasil, seguem firmes e resistentes os movimentos sociais, com destaque para os movimentos LGBT+, os quais têm conseguido intensificar seus debates na sociedade, dando mais visibilidade para nossas pautas, dividindo opiniões entre conservadores e progressistas, mas na maioria das vezes alcançando muitas vitórias.

O Partido Comunista do Brasil, ao longo da sua trajetória, sempre esteve na vanguarda dos direitos, nas lutas mais importantes do povo brasileiro, e nos últimos anos vem acompanhando as profundas transformações que culminaram na crise na qual o país se encontra hoje.

Nunca foi fácil para o movimento LGBT+ conquistar qualquer coisa pelo caminho mais comum a todos os segmentos da população brasileira, que é via representação legislativa. Vemos, na atual legislatura, o agravamento desse quadro.

Reconhecemos a importância da organização da frente de massas em movimentos, mas também da luta institucional, a qual é importante para romper com uma realidade de negligência com a diversidade. Nesse contexto, a nossa militância deve dialogar na disputa eleitoral, momento em que se organizam as forças vivas da sociedade, para disputar espaço e defender as diferentes bandeiras.

É preciso superar as ideias do negacionismo das diferenças, reconhecer e valorizar a diversidade, e colaborar com a promoção do respeito e valorização da diversidade, reconhecendo as subjetividades e pluralidades de identidades e especificidades de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres transexuais, homens transexuais, transmasculinos e mais expressões de gênero, sendo necessário alto grau de comprometimento político dos projetos e programas eleitorais.

O PCdoB tem como objetivo colaborar para assegurar a diversidade também nos espaços políticos, e ampliar oportunidades. É tarefa nossa enfrentar as desigualdades usando o critério da equidade e fortalecendo a pluralidade presente na sociedade.

Os racismos, os machismos e as lgbtfobias estruturados na sociedade brasileira dificultam a promoção da saúde integral, equânime e universal da população jovem brasileira em situação de vulnerabilidade social, por conta da discriminação e violação de direitos.

Queremos um SUS com a garantia da universalidade do cuidado, saúde integral e equidade como previsto na nossa constituição cidadã, em todos os níveis de atenção para a população negra, LGBT+, de terreiros, em privação de liberdade, em situação de rua, pessoas com deficiência e outros grupos em situações de risco acrescido e ou vulnerabilidade.

A violência intrafamiliar e na escola, a discriminação e/ou exclusão no ambiente de trabalho ou outros espaços públicos são alguns dos eventos que geram agravos à saúde mental, uso abusivo de álcool e outras drogas, depressão, automutilação entre adolescentes e até mesmo suicídio. O preconceito e a discriminação nos serviços de saúde diminuem a busca e impedem o autocuidado e a qualidade de vida dessas pessoas.

Acompanhamos todos os dias na TV, nas redes sociais e nas ruas muitos casos de violência física, psicológica e sexual, na maioria das vezes por falta de informação e linguagem adequada. Isso também fragiliza elos familiares. Vivemos o tempo do retorno, com força, de crenças moralistas que não reconhecem a diversidade como variação da expressão das humanidades, e consequentemente impedem o exercício de direitos sexuais e reprodutivos já com vários marcos legais. Falta compreensão e reconhecimento de vulnerabilidades específicas, respeito ao uso do nome social.

A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais tem como objetivo reconhecer a lgbtfobia como um determinante social em saúde, mas nesse atual governo, não tem avançado, precisamos lutar por sua capilaridade nos estados e municípios, bem como pela continuidade dos programas de prevenção, diagnóstico e assistência às infecções sexualmente transmissíveis, HIV, Aids e Hepatites Virais.

Essas políticas, frutos da luta da sociedade civil, podem colaborar com a construção de um atendimento humanizado livre do preconceito, respeitando o nome social e as diferentes identidades de gênero, trabalhando para adequação dos sistemas de saúde ampliando acesso e garantindo integralidade do cuidado.

Seguimos firmes na luta em defesa do SUS e do conjunto das políticas públicas de saúde, na busca da implementação de tecnologias que fortaleçam e aprimorem o acesso, a cobertura, e principalmente a valorização da vida da nossa população brasileira.

Vivemos em um país cujo marco legal é baseado na garantia de Direitos Humanos, preconizados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 3º, inciso IV, estabelece a promoção “do bem de todos(as), sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e define, ainda, no Artigo 205, a educação como “um direito de todos(as), garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho”.

Para efetivar esses direitos, o Brasil implementou uma série de políticas públicas com o objetivo de garantir a igualdade de direitos e o enfrentamento a todas as formas de desigualdade e de discriminação. Todas essas políticas foram resultado das lutas e dos movimentos populares e democráticos, no Brasil e em todo o mundo. Foram também, políticas inspiradas e orientadas por diversos documentos e tratados internacionais, como a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (1969); a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979); a Conferência Mundial sobre Educação para Todos (1990); o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (1992); a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994); a Conferência Mundial sobre as Mulheres (1995); a Carta da Terra, divulgada em 2000 como Carta dos Povos; a Conferência Mundial contra o Racismo (2001); os Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero (Princípios de Yogyakarta, 2006); a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada em 2008 como emenda constitucional no Brasil; e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2015).

Desde a Constituição Cidadã de 1988, o Brasil seguiu avançando, sancionando leis que reforçaram a garantia da liberdade e da igualdade de direitos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), a Lei Maria da Penha (2006), a Política Nacional para a População em Situação de Rua (2009), o Estatuto da Igualdade Racial (2010), o Estatuto da Juventude (2013) e a Lei Brasileira de Inclusão (2015), dentre outras.

Todos esses documentos legais tratam os Direitos Humanos não como valores abstratos, mas como parte de um projeto de sociedade, no qual a democracia se constrói com diálogo e participação social.

O compromisso com os marcos de Direitos Humanos levou o Brasil a criar e implementar ações, projetos e políticas públicas que buscaram consolidar um salto civilizatório sem precedentes, tendo o Estado papel fundamental, e não somente os governos. O Poder Executivo, especialmente nos períodos dos governos Lula/Dilma buscaram transformar-se para dar conta das demandas dos povos historicamente excluídos dos espaços de status, prestígio e poder e dos processos de empoderamento, autonomia e voz.

Todos os marcos políticos e legais já mencionados são enfáticos quanto à necessidade da eliminação do preconceito, das práticas discriminatórias, das desigualdades históricas, da intolerância e da violência, não apenas no ambiente educacional, mas a partir dele, o que traz implicações diretas ao currículo. Jogar esses temas para debaixo do tapete ou restringir sua abordagem no ambiente educacional constitui uma negligência, um desrespeito, uma negação aos princípios que regem a educação brasileira, a Constituição Federal e os Direitos Humanos.

A agenda de inclusão e desenvolvimento que reconhece a política educacional e os planos municipais de educação, como centrais e estratégicos, defende, intransigentemente os recursos constitucionais, na educação básica e superior (25% Estados, DF e municípios e os 18% da união.)

Não foi por acaso que, de norte a sul do Brasil, travamos uma cruzada com a pauta ” ideologia de gênero” no Plano Nacional de Educação e nos Planos Estaduais e Municipais na maioria dos Estados e Municípios brasileiros. Os fundamentalistas, conservadores e os que defendem a tradição “família e propriedade” botaram em campo seus exércitos, suas igrejas, que em sua maioria orientaram as câmaras municipais. Justificaram que seria muito perigoso trabalhar com as relações de gênero na educação. Denominaram como uma pauta obscura e que colocaria em risco as famílias brasileiras.

Na concepção patriarcal, a educação precisa manter as mulheres resignadas, dominadas, dóceis, nos espaços privados, fora dos espaços de poder e por consequência fora da política. Consideram que trabalhar gênero na educação coloca em risco a sexualidade das meninas e dos meninos.

Nesse contexto, cabe destacar que os discursos de ódio proferidos pelos conservadores estimulam a violência contra pessoas LGBT, em especial contra pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans). Dados revelam que em 2017 foram assassinadas 179 travestis e transexuais, mostrando que a cada 43 horas uma pessoa trans é assassinada no Brasil; houve 59 tentativas de homicídio e 109 casos de violação de direitos humanos.

Devemos assegurar a pluralidade de ideias na educação, a liberdade de cátedra (de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber) e as liberdades de crianças e adolescentes, asseguradas na Constituição Federal, em normas internacionais, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Defendemos investimentos em pesquisa, ciência, tecnologia e inovação e o exercício da autonomia universitária em sua plenitude. Esta agenda que defendemos nas ruas e nas redes, é permeada pela defesa da educação pública, laica, de qualidade social que garanta o acesso e permanência de todas e todos e trabalhe desde a educação infantil e em todas as modalidades e níveis de ensino as relações de gênero, a igualdade racial, a orientação sexual e identidade de gênero, deficiências e todas as diversidades e especificidades do povo brasileiro.

Defendemos o Estado Democrático de Direito, o respeito à LAICIDADE do Estado, resguardado pela Constituição Federal, e a completa separação entre Estado e Religião, como única forma de preservar a pluralidade e o respeito às diversas formas de expressão, tão caros para a nossa Democracia.

Temos a convicção de que, no curso desta jornada de resistência e luta democrática, é imperativo reunir, agregar, as mais amplas forças políticas, Movimentos Sociais, e todos e todas que desejam  cidades e territórios livres do fascismo,  livres do racismo, livres da LGBTfobia, do machismo e de qualquer forma de violência e opressão.

A educação é uma ferramenta de transformação social e uma potente pauta que unifica e fortalece a luta em defesa da democracia, dos direitos humanos e da soberania nacional.

Existe uma diversidade de produção LGBT+, de coletivos de artistas, performers, grupos de teatro, dança e outras linguagens produzindo e criando manifestações que não falam somente para a população LGBT+, mas que servem para todes, e que poderiam ser utilizados para abrir uma discussão mais profunda sobre homofobia e o papel do Estado no combate a esta violência, até as questões mais profundas como o casamento civil e a adoção por casais homossexuais. Todos estes artistas que permanecem hoje na labuta, produzindo sua arte de maneira autônoma, realizam um verdadeiro enfrentamento contra este projeto de Brasil que querem implementar.

A arte produz coisas imateriais, mas de grande valor simbólico para o país e para o povo. Produz pensamento crítico, ético, cidadania e reflexão. E isto é o que eles temem! Mas além disso dados como da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) mostra que o setor cultural empregava, em 2018, mais de cinco milhões de pessoas entre formais e informais, representando 5,7% do total de ocupados no Brasil. Números como esse só mostram que a cultura movimenta a economia brasileira e que se alinhada a um pensamento estratégico a partir de políticas públicas estruturadas pode gerar muito mais riqueza e difusão de nossa produção nacional para o mundo.

Os sistemas nacionais como SUAS e SUS vêm garantindo políticas universais que, ao longo dos últimos anos, em parceria com o movimento social, vêm buscando atender demandas das pessoas que se identificam como LGBT.

As Conferências de Direitos e Políticas Públicas para Lésbicas, Gays, Bissexuais, travestis e Transexuais, através dos seus relatórios apontam caminhos possíveis de governos acessarem esses segmentos sociais, mas é preciso lembrar que essa pluralidade ainda é pouco reconhecida, por isso a importância de pensar capacitação de servidoras e servidores municipais para atendimento humanizado (adequado) à população LGBT. A maior parte dos profissionais sequer têm conhecimento da legislação específica vigente. Existem muitas experiências exitosas. Percebemos como é difícil a alocação recursos financeiros e humanos para esse tipo de atividade, entretanto, apenas com equipes que entendam as especificidades da população LGBT+, em especial das pessoas transexuais e travestis, é que se consegue atendimento adequado nas políticas públicas. Um dos mais simples detalhes, mas que ainda é constantemente respeitado, por exemplo, é o uso do nome social. Ainda existe muito receio perguntar e preencher campos de informação em formulários, documentos que alimentam os sistemas de informação, sobre orientação sexual, identidade de gênero, cor, raça, etnia por exemplo. Precisamos de formação para os equipamentos da rede de proteção social que trabalhem as violências de gênero, raça/cor e classe social de maneira interseccionalizada.

Devemos construir campanhas e fortalecer parcerias para a divulgação sobre os direitos igualitários à população e ressaltar que a compreensão sobre as especificidades se dão num contexto inclusivo, para que pessoas LGBT+ tenham atendimento integral à saúde nas UBS e demais unidades, da mesma maneira que o restante da população.

Sobre a especificidade da população de travestis, mulheres trans, homens trans e transmasculinos, manifestar a preocupação em ter profissionais na rede de atendimento que se sintam capacitadas e capacitados para acompanhar o processo de hormonização e criar protocolos municipais para: 1- acompanhamento integral (saúde, educação e assistência social, se necessário) da população trans (em especial se adolescente) e sua família, que inclua o início do acompanhamento psicológico e da terapia hormonal no município; 2- encaminhamento para os centros de referência do processo transexualizador. É bastante comum que pessoas transexuais nos procurem dizendo que médicos e médicas no SUS não aceitam fazer início da hormonização, visto que o processo transexualizador só especifica o funcionamento nos ambulatórios licenciados para isso. Ao mesmo tempo, muitos dizem que sequer sabem como fazer esse encaminhamento que, na melhor das hipóteses, deixará a pessoa na fila por mais de uma década para isso, sendo que a hormonização e início do tratamento poderia ser realizada no município.

É parte da nossa luta buscar promover atividades integradas (saúde e educação) nas escolas municipais para discutir gênero, raça/cor, diversidade, direitos sexuais e reprodutivos, uso abusivo de álcool e outras drogas. Já existe um projeto chamado SPE (Saúde e Prevenção nas Escolas) que faz parte do PSE (Programa Saúde na Escola), mas poucos municípios pactuam seu formato.

Vivemos num país com profunda desigualdade e cuja perspectiva, desassociada da esperança de uma reação vitoriosa das forças progressistas e de compromisso com o povo brasileiro, é desoladora.

Esse cenário de desesperança e deslocamento do resto da sociedade é um sentimento conhecido da parcela mais fragilizada da população LGBT+, quando a barreira do preconceito descarta milhares de pessoas transexuais do mercado de trabalho, por exemplo.

Acreditamos que só governos e parlamentos fortes e democráticos podem mudar o curso da desigualdade e violação de direitos, é preciso construir projetos, programas, ações para fortalecer os direitos e as políticas sociais afirmando o compromisso do estado com as pessoas e suas necessidades. Devemos garantir o fortalecimento do controle social e da gestão estratégica e participativa através de forte, respeitoso e constante diálogo, onde seja pensada educação permanente transversal e intersetorial para a implementação de ações governamentais em parceria com a sociedade, com o objetivo de ampliar oportunidades. Os instrumentos existem, seja na assistência social, educação, saúde, cultura, ou em outras áreas de governo, mas precisam ser aprimorados. A lgbtfobia institucional (quanto as instituições não reconhecem as especificidades de LGBT) vem impedindo o acesso de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais às cidades, e nós queremos ter direito a todos os territórios, com liberdade de ser o que somos e exercer nossas humanidades, portanto é urgente pensar política de segurança, e outros equipamentos necessários para garantir nossas cidadanias.

A escritora feminista estadunidense Bel Hooks diz que: ‘Ser oprimido é não ter escolhas”, o sonho das, dos e dus comunistas é o fim das opressões estruturais e caminhar rumo a justiça social, igualdade de oportunidades e emancipação humana. Porque vidas negras importam, vidas LGBT importam!

“Existem dois tipos de políticos: os que lutam pela consolidação da distância entre governantes e governados e os que lutam pela superação dessa distância.”

Antonio Gramsci

 

*Andrey Lemos, Silvinha Cavalleire, Luiz Modesto, Silvana Conti, Jean Falcão e Robson Girardello