O juiz Timothy Walmsley, da Geórgia, condenou à prisão perpétua na sexta-feira (7) os três homens brancos que perseguiram e mataram a tiros o corredor negro Ahmaud Arbery em 23 de fevereiro de 2020 em Brunswick, mesmo ano do assassinato de George Floyd por um policial racista, que desencadeou os maiores protestos nos EUA em 50 anos.

Em novembro passado, um júri predominantemente branco (11 a 1 negro) havia considerado culpados a Travis McMichael, seu pai Gregory McMichael e o cúmplice William “Roddie” Bryan. Agora, conforme o sistema penal norte-americano, foi a vez de o juiz decidir a pena. Os McMichael foram sentenciados à prisão perpétua sem direito a liberdade condicional. Bryan terá de cumprir pelo menos 30 anos.

Os assassinos do jovem corredor Ahmaud Arbery (AP)

Arbery, esportista de destaque na Brunswick High School, tinha saído para praticar corrida a menos de três quilômetros de sua casa quando os McMichael o viram passar correndo, se armaram e passaram a persegui-lo numa caminhonete adornada com o emblema dos confederados. Em outra camionete, filmando tudo, seu vizinho, Bryan, também participou da caçada.

O que se seguiu foi – como denunciara anteriormente o reverendo Al Sharpton, líder da luta pelos direitos civis e contra o racismo, – “um linchamento”. Ou como disse a promotora Linda Dunikoski: os réus lançaram seu ataque a Arbery simplesmente “porque ele era um homem negro correndo pela rua”.

Depois de cinco minutos de perseguição o jovem desarmado foi morto com três tiros, os assassinos – um deles, o mais velho, policial aposentado -, alegaram que perseguiam “um ladrão” e que tinham tentado realizar uma “prisão cidadã” – contando inclusive com a conivência de uma promotora para o acobertamento. Graças a isso, puderam andar livres, leves e soltos por dois meses, sem indiciamento.

A situação só virou quando, em maio de 2020, a família de Arbery conseguiu tornar público o vídeo do crime, que desmoralizava a farsa, inviabilizava que continuassem enlameando o nome do morto e mudou o rumo do caso.

Antes de enunciar a sentença, o juiz Walmsley lembrou que a vítima negra foi “caçada e fuzilada”, solicitando um minuto de silêncio que, acrescentou, “representa uma fração do tempo que Ahmaud Arbery esteve correndo em Satilla Shores”, o subúrbio onde ele foi assassinado.

Nas declarações feitas perante o juiz antes da sentença, a família de Arbery pediu que todos os três fossem condenados à prisão perpétua sem liberdade condicional.

Wanda Cooper-Jones, a mãe de Arbery, disse ao tribunal que “esses homens decidiram mentir e atacar meu filho e sua família sobrevivente. Cada um deles não tem remorso e não merece qualquer clemência. Este não foi um caso de identidade trocada. Ou fato equivocado. Eles escolheram meu filho como alvo porque não o queriam em sua comunidade.”

“Esses homens merecem a sentença máxima por seus crimes. Ahmaud nunca disse uma palavra a eles. Ele nunca os ameaçou. Ele só queria ficar sozinho. Eles estavam totalmente comprometidos com seus crimes. Deixe-os estar totalmente comprometidos com suas consequências”, acrescentou.

E concluindo: “Meritíssima, estou aqui diante do Sr. como a mãe de Ahmaud Arbery, pedindo-lhe que dê a todos os três réus responsáveis pela morte de meu filho a punição máxima neste tribunal, que acredito ser a vida atrás das grades sem a possível chance de liberdade condicional.”

Em seu depoimento, a irmã de Arbery, Jasmine, o descreveu como um pensador positivo com uma grande personalidade. Ela disse ao juiz que seu irmão tinha pele escura “que brilhava ao sol”, cabelos grossos e cacheados e uma constituição atlética.

“Essas são as qualidades que fizeram esses homens presumir que Ahmaud era um criminoso perigoso e persegui-los com armas em punho. Para mim, essas qualidades refletem um jovem cheio de vida e energia que se parecia comigo e com as pessoas que eu amava”, disse Jasmine.

Ben Crump, renomado advogado dos direitos civis que representa a família Arbery, saudou as sentenças na sexta-feira, dizendo que o trio condenado “perseguiu, encurralou e linchou” Ahmaud Arbery em plena luz do dia. Ele considerou o resultado do julgamento um sinal de progresso na luta por justiça racial.

“Mas não terminamos. O trágico assassinato de Ahmaud Arbery não deve ser em vão”, disse Crump em comunicado. “América, estamos mostrando progresso. Agora não é hora de recuar. Devemos continuar exigindo melhor da aplicação da lei, de nosso sistema de justiça e da sociedade como um todo”.

Questão sobre a qual o reverendo Sharpton se referira após a condenação em novembro: “Embora eu nunca diga isso com frequência, devo dizer, queremos agradecer aos promotores. Eles lutaram por esta família”. Ele acrescentou que “todos nós, este é um dia em que ativistas brancos e negros mostraram que podemos nos unir e derrotar a multidão de linchamentos que matou Ahmaud”.

Outro desdobramento do caso Arbery foi a revogação na Geórgia de partes significativas do estatuto de ‘prisão cidadã’. O próprio governador republicano, Brian Kemp, admitiu que Arbery “foi vítima de um vigilantismo que não tem lugar na Geórgia”.

Além deste processo judicial, os McMichael e Bryan enfrentam outro julgamento federal por terem cometido crimes de ódio e por tentativa de sequestro, previsto para começar em fevereiro. Esse mecanismo foi usado nos anos 1960 para levar a julgamento brancos absolvidos pela justiça dos Estados segregacionistas de matarem negros.