A Política de Segurança Pública no Brasil, no decorrer do período Republicano, foi marcada por um viés de repressão e controle social da sociedade. A partir da Constituição Federal de 1988 a Segurança Pública é evidenciada como instrumento de garantia da ordem pública, do exercício da cidadania, sendo dever do Estado, direito e responsabilidade de todos.

Por José Carlos Pires*

Atualmente, na Segurança Pública prevalece a visão policial, com  um certo viés autoritário, em alguns cenários evidenciado pela abordagem de jovens negros das periferias das cidades brasileiras. Carece, portanto, uma reforma com foco em garantia de direitos e construção de uma agenda para redução de assimetrias.

A violência e a criminalidade têm causado medo e insegurança no cotidiano das pessoas. Para a construção da paz social, do exercício pleno da cidadania faz-se necessário a construção de uma Política de Segurança Pública Democrática, que integre  as ações dos entes federados União, Estados, Distrito Federal e os Municípios e de seus órgãos de Segurança Pública, as Polícias Federal, Rodoviária Federal, Militar, Civil, Corpo de Bombeiros, Guarda Civil Municipal, a partir das competências e atribuições individuais, que incorpore o uso de tecnologia, a implementação de políticas sociais, o trabalho de zeladoria na conservação e manutenção da cidade e a participação da sociedade.

O enfrentamento dos múltiplos fenômenos da violência e da criminalidade, dentre eles as desigualdades sociais, o racismo estrutural, a violência contra as mulheres, o tráfico de drogas só são possíveis por meio do trabalho de inteligência, das ações dos órgãos de Segurança Pública, da implantação de políticas sociais que possibilitem a geração de emprego e renda, a garantia de educação de qualidade, que proporcione oportunidades para todos, principalmente para os jovens das periferias das cidades brasileiras.

A Política de Segurança Pública deve ser elaborada nos termos da Constituição Federal, da Constituição do Estado, das Leis Infraconstitucional 13.6752018 e 13.022/4014, da Lei Orgânica do Município, do Plano Diretor e dos Planos das Políticas Sociais, entre outras normas.

Ao município, no sistema de Segurança Pública cabe a prevenção primária da violência e da criminalidade, a partir da atuação da Guarda Municipal, da Defesa Civil, dos órgãos de poder de polícia administrativa, fiscalização de trânsito, comércio, das ações das políticas sociais, do trabalho de zeladoria, da garantia de iluminação pública de qualidade, do uso de tecnologia, participação da sociedade.

As Polícias Militar e Civil são de competência do Governo do Estado, entretanto atuam no território do município, neste sentido o Chefe Poder Executivo Municipal deve articular e integrar suas ações com as ações realizadas pela administração municipal na área de Segurança Pública, no enfrentamento da violência e da criminalidade, a partir do Plano de Segurança Pública e do GGIM – Gabinete de Gestão Integrada Municipal.

A Guarda Municipal é uma organização civil, sua atuação deve ser voltada para a prevenção, com suas competências e atribuições estabelecidas no Estatuto Geral das Guardas Municipais, devendo atuar como uma “polícia comunitária”, com ênfase no patrulhamento preventivo, na ronda escolar, prevenção ambiental, na “Patrulha  Maria da Penha”, por exemplo, que tem como alvo a atuação na violência contra as mulheres, fiscalizando e protegendo espaços públicos, bens, serviços, instalações e logradouros públicos, mantendo relação direta com a comunidade.

A Segurança Pública necessita de amplo investimento em tecnologia da informação e inteligência para o desenvolvimento do trabalho de combate e prevenção ao crime e, consequentemente, a ampliação da sensação de segurança. Neste sentido, é preciso que sejam implantados sistemas de monitoramento, com OCR – Reconhecimento Óptico de Caracteres, com capacidade de análise da internet das coisas e integração com outras plataformas nas áreas de defesa social e prevenção de desastres naturais.

Novos investimentos financeiros e orçamentários são primordiais para viabilizar a Política de Segurança de forma perene, a fim de possibilitar investimentos na infraestrutura, recursos humanos e tecnológicos. Faz-se necessário definição de recursos próprios, da articulação de recursos nas esferas estadual e federal, por meio de projetos, emendas parlamentares e de repasses fundo a fundo de Segurança Pública. Sem recursos provenientes da União e do Estado, o Município, isoladamente, não suportará as necessidades financeiras para a implementação da Política de Segurança Pública.

O município deve elaborar sua Política de Segurança Pública harmonizada em um Plano, que será o instrumento de governança da Política de Segurança Pública. O Plano deve ser elaborado a partir de um diagnóstico situacional, com a participação da sociedade, contemplando as ações de competências e atribuições dos Governos Federal, Estadual e Municipal, alinhando o trabalho dos órgãos de segurança pública, a utilização de tecnologias, a implementação de políticas sociais, o trabalho de zeladoria e a participação da comunidade e a definição das diretrizes, objetivos, metas, ações e indicadores para a medição e monitoramento da sua implementação.

Como instrumento de articulação, gestão e planejamento da Política de Segurança Pública e da integração das ações dos órgãos de segurança pública é necessário a estruturação do GGIM – Gabinete de Gestão Integrada Municipal, tendo na sua presidência o Chefe do Poder Executivo local, na composição representantes das áreas de políticas sociais educação, saúde, assistência social, cultura, esporte, habitação, das políticas afirmativas, do trabalho de zeladoria e iluminação pública, da secretária de Segurança Pública, da Guarda Municipal, Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Rodoviária, Polícia Federal, da Defesa Civil, da Fiscalização de Transito, Comercio, do Judiciário, do Ministério Público, da sociedade por meio da OAB, Defensoria Pública, Conselho Tutelar e outras representações de relevância no âmbito municipal.

Para a implantação do Plano de Segurança Pública, a partir do diagnóstico situacional e da sistematização das ações estratégicas,  é indispensável a realização de projetos adequados que possam intervir na  realidade, visando a  superação ou mitigação da violência, por exemplo, violência contra mulheres ou jovens negros nas periferias da cidade, assim é necessário que o projeto contemple os diversos fenômenos das violências.  Além do projeto propriamente dito, é necessário a definição de um comitê gestor,  com representantes de todas as áreas envolvidas, definição das fontes de recursos financeiros e de participação da comunidade.

Um bom exemplo de projeto é Programa Fica Vivo! do Governo de Minas Gerias, em parceria com as prefeituras, com resultados positivos ao longo do tempo no enfrentamento da violência e da criminalidade. O escopo do projeto consiste na atuação, prevenção e na redução de homicídios dolosos de adolescentes e jovens de 12 a 24 anos, em áreas que registram maior concentração desse fenômeno. O Programa Fica Vivo! articula dois eixos de grande relevância no contexto da segurança pública, a proteção social e intervenção estratégica.

Precisamos superar a questão das políticas públicas isoladas e estanques, sendo importante considerar que a garantia de direitos passa por uma transversalidade em todos os campos de atuação dos governos e, de forma especial, na área da Segurança Pública, em virtude da urgência na superação da visão que a Política de Segurança Pública consiste unicamente na atuação das Polícias.

Somente com a articulação, integração e participação de todos, de forma coordenada, será possível construir um novo espaço de convívio nas cidades, com segurança e qualidade de vida. Um exemplo efetivo de que governar ouvindo os diversos setores produz a melhor política pública, encurta os caminhos, gerando desenhos políticos que induzem as melhores práticas em gestão pública.

Anexo:

Constituição Federal de 1988.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

  • 8º – Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
  • 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas:

I – compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e

II – compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei.

Lei Federal 13.675/2018, que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública e definiu a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.

Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), com a finalidade de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio de atuação conjunta, coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de Segurança Pública e Defesa Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em articulação com a sociedade.

Art. 2º A Segurança Pública é dever do Estado e responsabilidade de todos compreendendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito das competências e atribuições legais de cada um.

Art. 9º Fica instituído o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que tem como órgão central o Ministério da Justiça e Segurança Pública e é integrado pelos órgãos mencionados no art. 144 da Constituição Federal, pelos agentes penitenciários, pelas guardas municipais, e pelos demais integrantes estratégicos e operacionais, que atuarão nos limites de suas competências, de forma cooperativa, sistêmica e harmônica.

  • 4º. Os sistemas estaduais, distrital e municipais serão responsáveis pela implementação dos respectivos programas, ações e projetos de segurança pública, com liberdade de organização, respeitando o disposto na Lei.

Lei Federal no 13.022/2014 – Estatuto Geral das Guardas Municipais.

Art. 3º. São princípios mínimos de atuação das guardas municipais:

I – proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas;

II – preservação da vida, redução do sofrimento e diminuição das perdas;

III – patrulhamento preventivo;

IV – compromisso com a evolução social da comunidade; e

V – uso progressivo da força.

REFERÊNCIAS:

CARVALHO, J. C. Segurança Pública uma inovação na gestão. Jundiaí: Paco Editorial, 2017.

CARVALHO.J.C. Sistema Único de Segurança Pública no Âmbito Municipal. Jundiaí, Edições Brasil e Editora Fibra, 2020

LEGISLATIVA, A. Constituição Estado de São Paulo e da República Federativa do Brasil. Assis: Triunfal Gráfica e Editora, 2017.

Lei 13.022/2014 – Estatuto Geral das Guardas Municipais. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br.

Lei 13.675/2018 – Sistema Único de Segurança Pública e Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br.

 

*José Carlos Pires (Zeca Pires) é advogado e consultor de Segurança Pública. Autor dos livros Segurança Pública: Uma Inovação na Gestão e Sistema Único de Segurança Pública no âmbito municipal. Especialista em Gestão Pública Municipal pela UNIFESP. Foi Secretário da Casa Civil e gestor do GGIM – Gabinete de Gestão Integrada do município de Jundiaí, coordenando a Política de Segurança Pública do município.