A saúde como condições de bem-estar físico, metal e social

O médico Sérgio Arouca, em uma de suas falas aponta que a “saúde não é simplesmente ausência de doença: é um bem-estar físico, social, afetivo e que pode significar que as pessoas tenham mais alguma coisa do que simplesmente não estar doentes: que tenham direito à casa, ao trabalho, ao salário condigno, à água, à vestimenta, à educação, às informações, sobre como dominar o mundo e transforma-lo. Que tenham direito ao meio ambiente que não os seja agressivo, e que, pelo contrario, permita uma vida digna, e decente. Direito a um sistema político, que respeite a livre opinião, a livre possibilidade de organização e autodeterminação de um povo, e que não esteja todo tempo submetido ao medo da violência, daquela violência resultante da miséria, e que resulta no roubo, no ataque. Que não esteja também submetido ao medo da violência de um governo contra o seu próprio povo, para que sejam mantidos interesses que não são do povo”.

Em 1988, o Brasil viveu um grande marco na luta do seu povo com a promulgação da Constituição da Republica Federativa. Amplos setores da sociedade uniram forças e escreveram um capítulo glorioso da história brasileira. O texto constitucional consagra princípios emanados do acumulo de embates seculares da humanidade.

A democracia brasileira se revela, entre outros, no equilíbrio do exercício dos três poderes constituídos e nos direitos fundamentais garantidores da existência humana. Aqui, destaca-se à saúde como direito de todos e dever do Estado, que o faz através do Sistema Único de Saúde (SUS) e garantindo o seu controle social.

Não foi fácil conquistar esse direito. O movimento sanitarista mobilizando a sociedade brasileira cumpriu uma grande tarefa culminando com a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986. Marco histórico que assegurou no texto constitucional os artigos 196 ao 200, garantidores dos princípios e diretrizes do SUS. Em seguida é sancionada a Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990, que regula as ações e serviços de saúde.

Recentemente a força do controle social do SUS foi colocada à prova durante o processo de construção e realização da 16ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) em 2019. O contexto político já exigia a centralidade da bandeira da democracia e a reafirmação da saúde como um direito. Foram realizadas 4.612 etapas municipais em todo o Brasil. Somam-se as 26 etapas estaduais e a do Distrito Federal. Foram mobilizadas mais de 1 milhão de cidadãos em 83 % das cidades brasileiras. Mais de 5 mil pessoas participaram da Etapa Nacional da 8ª+8 CNS, momento que consagra a capilaridade do controle social, o seu papel estratégico na mobilização da sociedade e na luta do povo brasileiro.

Do seu nascimento até os dias atuais há um arcabouço de leis, decretos e portarias que proporcionam a dinâmica deste sistema de saúde que é público, universal, integral, descentralizado e com participação da comunidade, sendo reconhecido dentre os mais importantes do mundo.

Os 32 anos de vida do SUS são dedicados ao acolhimento do povo brasileiro, registram-se muitos avanços, retrocessos, sabotagens e surgem novos desafios a cada dia. Muitas batalhas foram e estão sendo travadas desde a sua criação, porém o enfrentamento à COVID 19 está sendo a sua prova de fogo. É imprescindível a luta para que o Sistema Único de Saúde se fortaleça, vença essa batalha e deixe um legado para os brasileiros.

A crise sanitária

Nesta atual conjuntura o Brasil está envolto nas crises politico-institucional, econômica e sanitária, que seguem sendo insistentemente agravadas e negligenciadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Não há notícias de um o período em que o SUS tenha vivido um momento tão desastroso na condução do Ministério da Saúde. Nos últimos meses a pasta teve troca de dois Ministros em um prazo de 30 dias e atualmente está sendo golpeado por um militar interino.

A falta de um comando tripartite e do acompanhamento do controle social prejudicam e desqualificam o enfrentamento à pandemia do coronavírus no Brasil. Os governos dos estados e municípios estão órfãos e largados às próprias sortes e à capacidade de articulação e resposta de cada um.

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) em estudo realizado por sua Comissão de Financiamento (COFIN) recentemente aponta que 66% dos recursos para o enfrentamento à COVID 19 encontram-se represados no Ministério da Saúde. São R$ 21 bilhões que estão fazendo falta no front de batalha, o que prejudica principalmente os municípios em todo país.

Neste momento histórico de enfrentamento à pandemia, as autoridades, os proprietários das atividades econômicas e o povo necessitam de um grau maior de maturidade e unificação de forças para atravessarem essa épica jornada contra à COVID 19. Essa unidade e coordenação de ações deverá ser capaz de derrotar esse inimigo pouco conhecido, silencioso, invisível e letal. Faz-se necessário o engajamento social para as batalhas sanitárias na ponta, no território para além da assistência em ambiente de unidade de saúde.

O teatro de operações do enfrentamento a esse vírus projeta-se além das unidades de acolhimento e tratamento como as unidades básicas de saúde, UPA’S, unidades hospitalares, leitos de CTI e clínicos, bem como dos gabinetes dos gestores que formulam as ações e tomam decisões, e dos pesquisadores que buscam evidencias cientificas para aperfeiçoarem o combate.

O enfrentamento sanitário essencialmente deve ser travado dia a dia nas ruas, becos, ladeiras, vielas, casas, barracos e locais de trabalho das grandes cidades e agora, com a migração do vírus, nas cidades do interior. A situação necessita de iniciativas de engajamento social que visam articular as ações de distanciamento e isolamento social, mudança de comportamento das pessoas e rotinas diárias de biossegurança.

Neste momento, a vanguarda da classe trabalhadora é convocada para atuar no front social desta batalha. Os comunistas devem assumir cada vez mais o seu protagonismo histórico, sua liderança junto ao povo mais carente e sofrido, para ajudá-los a superar esse momento delicado da vida dos brasileiros.

Essa tarefa é a das mais complexas e requer muitos cuidados, porém não se deve abdicar de estar junto ao povo levando informações e orientações corretas e esclarecedoras, articular redes de solidariedades e ajudas aos mais necessitados, desenvolver ações concretas que ensinem a maneira correta de lavar as mãos, a utilizar de forma eficiente e segura os produtos de limpeza, demonstrar a importância do uso correto da máscara e sua higienização, esclarecer como entrar em casa com segurança ao chegar da rua, bem como desinfetar os objetos que entram nas residências como bolsas, sacolas e alimentos, higienização dos banheiros e roupas, identificar as famílias com maior vulnerabilidade social e econômica buscando alternativas de ajuda, cuidar e desprender uma maior atenção aos idosos e pessoas com doenças que compõe os grupos de risco. É de fato construir uma marcha pela vida fortalecendo uma consciência coletiva que seja capaz de enfrentar essa pandemia e contribuir no caminho de superação da crise sanitária.

É necessário reconhecer que nas grandes periferias à militância partidária comunitária tem um papel gigante na articulação das redes de solidariedade. Há uma fragilidade tecnológica de acesso, rede e equipamentos para a militância atuar junto ao povo de maneira remota. Nessas situações, os militantes e os pré-candidatos deverão assumir este protagonismo, observando todos os protocolos de biossegurança, mas não deverão se abster de estar ao lado dos mais necessitados, organizando ações sanitárias no território, como mapeamento de residências, visitas a quadras e campos de futebol, igrejas e templos religiosos, comércios locais, entre outros. É um trabalho para o “militante essencial”, que atuará nestas condições de pandemia. Há de se registrar que essas ações já ocorrem diariamente em diversas favelas em todo o país, a exemplo do projeto “Presidente de Rua” que impulsiona o engajamento social, que consiste na escolha de um representante de cada rua que irá ser responsável pelo monitoramento de até 50 residências. Cada presidente tem um vice que o ajuda no cadastro das famílias e no desenvolvimento de ações sanitárias e sociais.

A saúde como tema estratégico no processo eleitoral de 2.020

O tema da saúde é estratégico para as disputas municipais, pois essa política pública é ofertada nas cidades. Então é necessária a constituição de uma plataforma eleitoral que permita aos comunistas, pré-candidatos a e militantes, dialogar e apresentar ao povo soluções para melhorar a saúde pública na sua realidade concreta.

O objetivo aqui não é esgotar as possibilidades de propostas que poderão compor uma plataforma, mas sim dar uma pequena e singela contribuição neste sentido, entendendo a realidade homogênea das cidades brasileiras.

O vértice central desta plataforma é o fortalecimento do Sistema Único de Saúde como garantia do direito à saúde e o seu financiamento adequado que seja capaz de dar respostas à altura das demandas básicas do povo brasileiro.

O fortalecimento da atenção básica dotando-a de condições de realizar a prevenção e promoção da saúde, além de um plano que busque a cobertura de 100% do território municipal através do programa Estratégia Saúde da Família.

Desenvolver políticas que busque a valorização dos servidores da saúde ofertando melhores condições de trabalho, remuneração justa e incentivos à carreira. É fundamental a edição de concursos públicos para o quadro de saúde repondo e ampliando a força de trabalho do SUS.

Desenvolver políticas de valorização dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate a Endemias, haja visto que são carreiras do SUS e que os seus respectivos vínculos variam de município para município.

Fortalecimento da assistência farmacêutica no que se refere à distribuição de remédios para a população, bem como requer a edição de campanhas pelo uso racional do medicamento.

Fortalecimento da política da saúde do trabalhador, através de ações dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST’s).

Fortalecimento das políticas de saúde da mulher, saúde do negro e saúde indígena, dentre outras. Destacam-se essas três temáticas haja vista que foram objetos de Conferências Nacionais recentemente.

Desenvolver uma maior inteligência nos processos de compras que abastecem a saúde. Hoje o que se enxerga é uma falta de estratégia para compras que são rotineiras. Existem experiências exitosas de compras conjuntas intermunicipais.

Em relação ao legado da COVID 19, entre outros, é fundamental a busca por credenciamento e o financiamento de novos leitos, principalmente nas micro regiões de saúde que tem hospital de referência.

Fortalecimento dos Conselhos Municipais de Saúde como instrumento do controle social na condução dos Planos Municipais de Saúde. É fundamental garantir o seu funcionamento regular, atuante e de maneira paritária.

Outro espaço de atuação parlamentar e social são as Comissões Permanentes de Saúde das Câmaras de Vereadores. Essa atuação é essencialmente voltada para o fortalecimento do SUS no município.

Por fim, tomo emprestado do meu conterrâneo Guimarães Rosa, que a meu ver traduz este momento que estamos vivendo.

“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinqueta. O que ela quer da gente é coragem.” (GR).

Augusto Viana Da Rocha:

Secretário Adjunto Municipal de Gestão da Saúde de Betim/MG

Presidente do Conselho Municipal de Saúde de Betim/MG

Coordenador da Escola de Saúde Pública de Betim (ESP-Betim/MG)

Dirigente Estadual do PCdoB de Minas Gerais

Membro da Comissão Nacional de Saúde do PCdoB

Coordenador da Comissão de Saúde do PCdoB de Minas Gerais